Da distrital portuguesa à Premier League, a história inspiradora de Jota Silva

A lesão que despertou o guerreiro

O futebol é um mundo de oportunidades de múltiplos caminhos. Para uns o trajeto é aparentemente mais fácil, para outros os desafios são enormes e com constantes testes à capacidade de superação. Jota Silva faz parte do segundo lote. 

O extremo cresceu longe das luzes da ribalta. Natural de Melres, uma pequena vila do município de Gondomar, Jota não passou pela formação dos grandes. Cresceu e viveu no "seu" Souselas. Não era daqueles miúdos que hoje pintam capas de jornais após meia dúzia de jogos, nem era visto como alguém que pudesse valer milhões. Mas isso nunca o impediu de sonhar alto, mesmo quando o mundo parecia desabar num dos momentos mais importantes na vida futebolística de um jovem carregado de sonhos.

Foi durante a pré-temporada nos seniores do Sousense, em 2016/17, a competir no Campeonato de Portugal, que o clique se deu. Tinha 16 anos e disseram-lhe: "não dá mais". Seria fácil desistir nesse momento, mas não. Foi aí que percebeu que podia atingir o profissional.

"Acho que foi o momento chave para perceber que conseguia lá chegar. Consegui superar uma lesão grave em tempo recorde. Foi um trabalho muito duro, depois estreei-me na equipa principal e a partir daí estava preparado para correr atrás do sonho. Acreditava muito", chegou a dizer numa entrevista ao zerozero.

E estava (ainda) longe de imaginar o voo que o ia transportar para os principais palcos do futebol nacional e internacional.

"Não tenho dúvidas de que vais lá chegar"

Ainda antes do estrelato, Jota passou pelos juniores do Paços de Ferreira, onde chegou a treinar com a equipa principal dos castores, mas teve de regressar a casa, ao Sousense, para não mais parar. Começou a caminhada na distrital da AF Porto, deu o salto para o Campeonato de Portugal, então o equivalente ao 3.º escalão do futebol nacional, onde se cruzou com um dos treinadores que o próprio assume como um dos mais importantes da sua ainda curta carreira: João Ferreira. O Flashscore foi ao encontro dessa personagem tão marcante na vida do extremo.

"Eu tinha falado com algumas pessoas sobre o Jota, mas nunca o tinha visto a jogar quando decidimos contratá-lo para o Espinho. Posso dizer que foi contratado para ser uma alternativa às nossas primeiras opções, mas ficámos em choque nos primeiros treinos com a sua capacidade de trabalho. Recordo-me perfeitamente de uma primeira conversa que tive com a minha equipa técnica sobre ele: 'Este rapaz, cuidado! Vai dar-nos muito trabalho'", recorda o treinador, em declarações ao nosso portal.

"É extraordinário e de uma entrega fantástica no treino. Para ele o treino de sábado é igual ao de terça ou ao de quarta. É alguém muito convicto do que vale e do que tem de fazer. A primeira memória que tenho dele é mesmo essa forma como se dedicava a cada treino. Sinceramente, não era aquilo que estávamos à espera - e ainda bem - e acabou por ser um trajeto bonito no Espinho. Estou muito grato por ele ter aparecido no nosso caminho", sustenta.

A ligação ao emblema do Campeonato de Portugal foi de enorme sucesso, mas houve um momento em que Jota andou desencontrado com o golo.

"Houve ali uma fase em que ele não estava a conseguir ser tão consistente em termos de golos, mas continuei a apostar nele porque ele dava-nos muitas outras coisas. Lembro-me de uma conversa que tive com ele no jogo em que ele quebrou esse jejum. Eu disse-lhe: 'não tenho dúvidas que vais lá chegar'. Não sabia se era à Seleção, a um grande ou ao estrangeiro, mas sabia que a Liga era o mínimo. Nós víamos o compromisso e o espírito competitivo que ele tinha. Felizmente, veio a confirmar-se", remata.

A chegada aos profissionais

A temporada fantástica em Espinho abriu-lhe as portas do mundo profissional. Subiu um degrau até ao Leixões e seguiu para o Casa Pia, onde foi uma das estrelas do regresso dos gansos ao principal escalão do futebol nacional, após 83 anos de ausência, e ganhou a alcunha de "Grealish de Pina Manique". O resto é história!

"Guardo boas memórias do Jota. Foi sempre muito focado e muito comprometido com ele e com a equipa. Já dava para perceber que poderia e queria chegar a outro patamar", contou recentemente Romeu Ribeiro, antigo companheiro de Jota no Casa Pia, ao Flashscore.

"É um rapaz extremamente simples, humilde e correto. Tem a postura ideal para estar dentro de um balneário de futebol. Quando chegou vinha tímido, mas com o decorrer das semanas foi-se soltando mais e posso dizer que é extrovertido", acrescentou o antigo médio.

Uma opinião corroborada pelo treinador Filipe Martins, atualmente no comando do Estrela da Amadora, que se cruzou com o jovem português também em Pina Manique: "É um atleta muito profissional, que se cuida muito bem e que, acima de tudo, junta várias coisas úteis no futebol, como o ataque à profundidade, o golo e o forte jogo de cabeça. É um trabalhador nato, que ajuda muito a equipa do ponto de vista defensivo, muito solidário, e a sua intensidade é fora do comum".

"Aquilo que via e vejo nele é um atleta com uma mentalidade forte e vencedora. Mesmo quando as coisas não estão a correr bem a ele e à equipa, nunca vira a cara à luta", complementa.

Do Castelo à Seleção

Os 14 golos e quatro assistências em 2021/22 colocaram Jota no radar de vários clubes, mas foi o Vitória Sport Clube que conseguiu agarrar o jovem natural de Gondomar. Após uma primeira época de adaptação a uma nova realidade, o extremo subiu ao topo do Castelo para assumir-se como uma das figuras da equipa... e da Liga.

O extremo conquistou rapidamente um lugar no coração dos fervorosos adeptos vitorianos. Os (muitos) golos e as assistências em 2023/24 ajudaram a criar essa ligação profunda. E os registos impressionam: há mais de 40 anos que o Vitória SC não conhecia um goleador português tão profícuo quanto Jota Silva ao longo de uma única temporada, e esse desempenho não passou indiferente a ninguém, nem ao próprio selecionador nacional, Roberto Martínez.

Em novembro de 2021, quando ainda procurava a afirmação plena na Liga 2, o extremo sabia onde queria chegar e o que teria de fazer para alcançar os seus objetivos. "Quero ir à Seleção, é um sonho que tenho e sei que vou conseguir". Foi preciso esperar apenas três anos. Estava escrito no livro de Jota Silva.

"Não tinha boas condições nos clubes onde joguei no início da minha carreira, mas tinha de mostrar resultados. Isso fica sempre comigo e molda a minha personalidade. Um lema que levo para a minha vida é que não é preciso muito para ser feliz. O sucesso depende do trabalho e se queres ter sucesso tens de trabalhar muito", assinalou Jota aquando da chamada a 15 de março de 2024, em entrevista ao The Guardian.

Mais do que o lado visível ao comum adepto - a qualidade futebolística do agora ex-camisola 11 do Vitória SC -, há um lado mais pessoal que ajuda a explicar este trajeto. Voltemos, então, ao encontro de João Ferreira, que nos ajuda a perceber a simplicidade do homem Jota Silva.

"As pessoas olham para o lado mais visível, mas ninguém se deixe enganar. O Jota só conseguiu este trajeto bonito pela forma como treina e pelo profissional que é. Foi sempre, sempre muito profissional!", anota.

"É um indivíduo especial. Só assim conseguiu fazer este trajeto em tão pouco tempo. Representar o Vitória SC e chegar a uma Seleção Nacional ultrapassa tudo aquilo que é o standard. Ultrapassa as barreiras do plausível. (...) Ele fez questão que eu estivesse próximo no momento da estreia dele na seleção e isso diz muito dele enquanto pessoa. Essa forma carinhosa e profissional, que respeita a profissão que tem a 100%, diz tudo sobre ele. Também sei que tem uma família, um empresário e uma namorada que o ajudam muito", defende.

"Ele sabe as suas limitações, mas não conhece os seus limites"

Muda-se, agora, a página do livro da vida profissional de Jota. Apontado a Sporting e FC Porto, o destino é a Premier League. Segue-se o capítulo Nottingham Forest, histórico emblema inglês, um campeão europeu, que anunciou a sua chegada precisamente no dia em que o jogador português completa 25 anos. Que exemplo!

"Vai desafiar-se numa competição estratosférica, com colegas ainda melhores e em ambientes ainda mais agressivos, e isso vai elevá-lo ainda mais e sei que se vai entregar de corpo e alma. Tenho a certeza que ele acredita que não há ninguém que lhe possa dizer que ele não pode ter sucesso", atira João Ferreira.

Numa constante corrida de obstáculos, Jota tem sido feliz. Haverá algo que o possa travar? "Acho que ele sabe quais são as suas limitações, mas não conhece os seus limites. Isso é muito importante para qualquer profissional".

Por fim, convidado a deixar uma mensagem pública ao seu antigo pupilo, até como forma de retribuir todo o carinho que o jogador faz questão de manifestar por ele, João Ferreira emociona-se.

"Jota, mantém-te como és e continua a lutar por aquilo em que acreditas e continua a demonstrar que todos os sonhos são concretizáveis desde que tenhamos muita fé e trabalho. Eu estarei sempre aqui".