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A redescoberta na Indonésia e a camisola de Nainggolan: "Chama pelo futebol voltou a acender"

Rodrigo Coimbra
Silvério Júnio é pilar da defesa do Borneo
Silvério Júnio é pilar da defesa do BorneoArquivo Pessoal
Silvério Júnio é uma das principais figuras da equipa do Borneo Samarinda, líder incontestado da principal liga da Indonésia. O central português faz um balanço da experiência naquele país asiático em entrevista exclusiva ao Flashscore.

Terra de Mar, Caxinas também deu ao mundo várias figuras para o futsal e futebol profissional. Silvério Júnio foi um dos que cresceu e viveu dessa cultura.

Começou pelo futsal do Caxinas, mas não demorou a passar para o futebol do Rio Ave, onde percorreu todos os escalões de formação até ao plantel sénior, embora sem nunca conseguir a estreia na equipa principal do emblema de Vila do Conde.

O central fez carreira na Liga 2 (146 jogos no segundo escalão do futebol português), movido pelo sonho de chegar à Liga. Não aconteceu. Aos 27 anos, Silvério deixou a "obsessão" de lado e decidiu abrir horizontes ao aceitar o convite do Borneo Samarinda, da Indonésia.

Hoje está feliz com a decisão tomada e luta para ser campeão, isto tudo num campeonato "diferente", que conta com uma estrela com Radja Nainggolan, internacional belga que lhe ofereceu a camisola depois de um jogo em que o português teve uma atitude impactante junto do antigo jogador da Roma.

Silvério vive dias felizes na Indonésia
Silvério vive dias felizes na IndonésiaArquivo Pessoal/Opta by Stats Perform

"Tive oportunidade de sair mais cedo, mas tinha uma obsessão..."

- Como o futebol aparece na sua vida?

- Muito cedo. Comecei pelo futsal do Caxinas, aos cinco anos, e depois fiz a transição para a formação do Rio Ave. Passei por todos os escalões do clube, desde os escolinhas até a júnior, incluindo a subida a sénior.

- As Caxinas são um autêntico viveiro de qualidade futebolística... Tem alguma explicação?

- É verdade (risos). A nossa forma de brincar sempre foi com a bola. Na época dos meus pais, dizia-se que os homens ou iam para o futebol ou para o mar. Acho que a malta inclinava-se mais para a bola (risos).

- Então foi a forma que arranjou para fugir ao mar?

- (risos) Por acaso, a minha família tem ligação ao mar. Eu também sempre gostei de estudar e tive essa oportunidade. Ainda entrei na faculdade (Contabilidade e Gestão), mas acabei por optar pelo futebol.

Os números de Silvério Júnio
Os números de Silvério JúnioFlashscore

- Quando percebe que o futebol pode resultar numa carreira?

- Como disse, sempre gostei de estudar e isso também foi algo incutido pelos meus pais, de que deveria ter os estudos sempre em mente, ainda que o meu amor pelo futebol fosse muito grande. Não é fácil chegar a futebolista profissional, pois há circunstâncias que podem alterar o rumo. Apesar de ter o futebol como objetivo, sempre fui conciliando as duas vertentes.

- E como correu a passagem para o futebol sénior?

- Sempre tive muita consciência da competitividade que existia no futebol, sobretudo na formação, com muita gente a querer chegar lá (ao profissional). Tendo isso em consideração fui tendo vários comportamentos para chegar a profissional de futebol. Desde cedo investi em preparador físico e nutricionista, mesmo ainda sem saber se podia lá chegar. 

- ...

- Chego a profissional no Rio Ave, depois fui emprestado ao Famalicão, no CNS (Campeonato de Portugal). Na altura tinha pouco conhecimento da competição, e até do próprio Famalicão. Felizmente foi época de sucesso num clube que tinha objetivo bem definido e correu tudo de feição. Na altura interrompo a faculdade e investo a 100% no futebol. Apesar de não ter jogado tanto nessa época, no ano a seguir deu-me bilhete para a Liga 2 e fiz mais jogos com o mister Daniel Ramos. Foi uma alavanca muito boa para avançar na minha carreira.

- Rio Ave, Varzim, Académica e Penafiel. Como recorda esse trajeto antes da saída?

- Tinha ambição de chegar à Liga. Passei um ano no Rio Ave, do Miguel Cardoso, em que não tive minutos. Os meus colegas de posição - Marcelo, Marcão e Nelson Monte - fizeram uma época tremenda os três e não surgiu a oportunidade para mim. Mas posso dizer que terminei esse ano mais jogador e mais homem. Nos anos seguintes na Liga 2 foi sempre a pensar que poderia voltar à Liga. Tanto é que tive a oportunidade para sair para fora mais cedo, mas criei essa obsessão comigo mesmo. Sempre neguei a hipótese de sair em busca desse objetivo.

Silvério vive primeira aventura no estrangeiro na Indonésia
Silvério vive primeira aventura no estrangeiro na IndonésiaArquivo Pessoal

"Espero hastear a bandeira portuguesa no final da temporada"

- Como surge a possibilidade de ir para a Indonésia? Chegou a hesitar devido à sua obsessão?

- Surge após dois anos em Penafiel. Tive um bom começo com o Pedro Ribeiro. Ele convenceu-me a ir para lá e acreditei bastante no projeto, entretanto tive uma lesão, ele saiu e as coisas não correram como planeado. O futebol é capaz de mudar bastante e vi-me numa posição em que não tinha estado. Passei ano e meio sem jogar com regularidade e tenho noção da competitividade. Isso tudo leva-nos a pensar na nossa carreira e futuro. É uma profissão curta. Após o segundo ano em Penafiel, uma pessoa com quem tenho bastante contacto, que é o Zé Valente, entrou em contacto comigo e perguntou-me: 'Já sabes o que queres? Tive uma conversa bastante honesta com ele'.

- ...

- Sempre descurei a parte financeira, pois nunca foi o meu principal objetivo. O Zé fez-me ver que eu tinha de me precaver para o futuro. O clube que me abordou também apresentou-me um projeto para ser campeão, num país que tem pessoas muito apaixonadas pelo futebol. Dava-me essa possibilidade de jogar em estádios cheios. No fundo, ainda que com algum receio, juntou-se uma série de situações importantes e acabei por aceitar o desafio.

- Que realidade encontra?

- Em termos de organização, a Europa está alguns passos à frente. O primeiro mês foi impactante em vários sentidos. Houve um terramoto na primeira ou segunda semana. O meu primeiro mês deixou-me orgulhoso, porque tive uma série de contrariedades que me puseram à prova e sinto que dei uma boa resposta. Houve vários momentos em que me perguntava se tinha dado o passo certo e depois fazia um bom jogo, marcava um golo e isso mostrou-me que teria de ser persistente.

- Nota-se um impacto muito grande do futebol pelas redes sociais...

- Aqui sentes-te jogador. Estamos a falar de mais de 200 milhões de habitantes, então tudo tem uma repercussão muito grande. É um povo apaixonado por futebol e demonstram muitas vezes da pior forma. Ainda têm de evoluir nesse sentido. Ao nível de redes sociais, não há muitos clubes em Portugal a trabalhar melhor do que os clubes daqui. Sentir essa parte de famoso é engraçado (risos).

- Qual a análise que faz ao campeonato e ao jogador local?

- O futebol é um pouco partido. Aqui dão muito ênfase à intensidade e luta. O bom da minha equipa é que temos um treinador neerlandês e a mensagem que passa é a de que gosta de um futebol apoiado. Temos de ser agressivos, mas nada de ser maldoso... Os treinos são bem organizados. Aqui há limites de estrangeiro, portanto a qualidade deles distribui-se muito por todas as equipas, portanto o que faz a diferença são os locais.

- E os vossos destacam-se...

- Olhando para a realidade, temos locais muito bons, tando do ponto de vista técnico como da perceção tática. Depois os relvados nem sempre estão nas melhores condições e os árbitros ainda têm de evoluir um bocadinho. Não há formação como há em Portugal. Para dar um exemplo, um jogador da minha equipa disse que chegou ao futebol porque queria sair da casa dos pais para ir em busca do sonho. Não vão para o futebol como nós.

- Não perdem desde setembro e têm muito poucos golos sofridos. São registos reconfortantes para um defesa?

- Sinto que a comunicação é muito importante. Se conseguirmos antecipar as coisas, podemos sempre precaver lances de perigo para a outra equipa. Os locais se puderem atacar com os 11 vão atacar com os 11 (risos). Ainda há muita desorganização nesse sentido. Eu tento passar-lhes uma mensagem positiva, para se focarem nos bons exemplos e deixarem os duelos e as confusões de lado.

A forma recente do Borneo
A forma recente do BorneoFlashscore

- O campeonato da Indonésia está na parte final, faltando apenas quatro jornadas para o final. O Borneo Samarinda segue com mais 18 pontos para o segundo classificado, mas pode não ser campeão... Quer explicar?

- O campeonato este ano é um bocado... confuso. Temos primeiro uma fase regular, depois os quatro primeiros vão para o play-off, com meias-finais e final. Mas não quero pensar muito nisso. Já conseguimos um lugar no play-off e agora é continuar a ganhar para entrarmos nessa fase a vencer. Agora se me pergunta se faz sentido, não faz sentido. Fazemos 30 e tal jogos e quem fica em primeiro não tem qualquer tipo de vantagem. O que eu acho é que eles querem levar um certo tipo de entusiasmo para as rondas finais.

- O Borneo nunca foi campeão. Como é que os vossos adeptos têm vivido esta caminhada?

- Tem sido muito bom. Nós jogavamos em Samarinda, mas o presidente decidiu fazer alterações no estádio e fazer uma Academia, e então mudamos para Balipapan, que fica a duas horas da nossa cidade. Conseguimos mover os nossos adeptos para lá e juntamos os adeptos dessa cidade. Ou seja, temos mais apoio e o estádio também é muito melhor, à semelhança dos estádios europeus. Os adeptos vivem muito à base do resultado e, mais do que nunca, temos sentido muito apoio.

- Já se sente uma estrela?

- Tenho sentido que a abordagem é maior, sem dúvida. Mas também nunca fui de dar muita importância a isso. Gosto quando são crianças e procuro sempre que olhem para mim como um bom exemplo. Tenho também a minha família, sobretudo os meus sobrinhos, a ver os jogos na TV e tento passar uma boa mensagem. Fico feliz pelo carinho.

- E já se vê alguma bandeira portuguesa nas bancadas?

- Ainda não vi nenhuma bandeira na bancada. Mas chegou um amigo meu há dias e trouxe uma. Espero hasteá-la no final da época. 

Silvério lidera a defesa do Borneo
Silvério lidera a defesa do BorneoArquivo Pessoal

"Na Indonésia aprendemos a valorizar outras coisas"

- Podemos assumir que os futebolistas estrangeiros vivem numa condição privilegiada num país de extremos. Como lida com esse choque social?

- Eles são felizes com pouco. Vemos os miúdos na rua a jogar à bola e parece que voltamos atrás no tempo. É um choque cultural. Notas bastante diferença entre quem tem muitas e poucas condições, especialmente na cidade onde vivemos, que está um pouco atrasada. Por vezes falta a luz, a água e temos alguns problemas de gás. Quando acontece, é um momento chato, mas aprendemos a valorizar as coisas. Vivemos numa bolha em que damos muitas vezes as coisas como adquiridas e vir para cá permite-te evoluir em vários sentidos.

- Como tem aproveitado a passagem pela Indonésia do ponto de vista social/cultural?

- Em Samarinda não há muito para fazer. É mais casa, treino... Vou de vez em quando ao ginásio com a minha namorada. Depois quando temos folga acabo por visitar outros sítios, como por exemplo Bali. E quando vamos jogar fora dá sempre para conhecer as cidades onde jogamos.

- Já dá alguns toques na língua (indonésio)?

- Sim, já dou uns toques. Consigo entender e já consigo falar algumas coisas, como 'subir', 'fechar', 'esquerda', 'direita'. No fundo aquilo que é mais importante na minha posição.

- Zero arrependido da decisão?

- Sinto que, neste momento, sou bastante valorizado. O último ano e meio fez-me questionar sobre muita coisa. Encontrei um grupo tremendo, com uma parte humana fantástica, que me acolheu muito bem. Jogamos um futebol apoiado e positivo. A chama pelo futebol voltou a acender bastante. Sem dúvida que foi um passo muito importante para mim a nível pessoal, para a maneira como voltei a olhar para o futebol, da forma apaixonada como sempre olhei. E a nível financeiro também foi um bom passo, não posso mentir.

- É para continuar na Indonésia?

É uma situação que ainda está a ser revista. O clube já entrou em contacto comigo, mas eu quero aguardar até ao final da época. Há uma série de situações que ainda precisa de ser analisada, até mesmo do ponto de vista familiar. Não pode ser uma decisão a ser tomada de ânimo leve. Vou fazer tudo para que as coisas sejam feitas da melhor forma, até pelo respeito que já tenho pelas pessoas e pelo clube.

Os próximos jogos do Borneo
Os próximos jogos do BorneoFlashscore

"Um jogador da minha equipa faltou a um jogo porque se ia casar"

- Apesar de ter a namorada consigo, a distância para a família é a principal dificuldade neste desafio?

- Sem dúvida. Na altura também aceitei o desafio porque ela disse que estavamos nisto juntos. A parte mais difícil é estar longe da família. Mas também valorizamos mais. O estar longe também me faz estar mais presente em termos de chamadas. Mais do que nunca olho para eles com todo o amor e reconhecimento que merecem.

- O que espera que esta experiência lhe dê do ponto de vista profissional e pessoal?

- Já tem sido uma lição muito grande. Esta experiência ensina-me em todos os sentidos. Deu-me a oportunidade de jogar em estádios cheios, de conhecer malta do futebol de outros sítios e de conhecer outras culturas. No fundo, aprendes a valorizar, muito mais do que tudo. Temos de valorizar muito mais tudo na nossa vida.

Silvério Júnio recebeu camisola de Nainggolan
Silvério Júnio recebeu camisola de NainggolanArquivo Pessoal

- Para terminar, quer partilhar connosco alguma(s) história(s)? O Ângelo (Meneses) contou-nos que os locais em dia de jogo comem fritos logo pela manhã...

- A alimentação é uma coisa a ser revista no imediato (risos). (...) Tive um jogador da minha equipa que não podia ir a um jogo porque ia casar. O Zé Valente contou-me também uma história do autocarro da equipa dele que parou quando ia para um estágio e que entrou um músico de rua a tocar lá para dentro. Houve também um atraso num jogo e havia malta já com bilhete de regresso para casa comprado e começaram a sair mais cedo do jogo.

- ...

- Num jogo contra o Bhayangkara, tive a oportunidade de jogar contra o Nainggolan. Houve uma altura no jogo que ele teve momento de stress com o árbitro e eu fui ter com ele para tentar acalmá-lo, a dizer que os árbitros cometem erros que não podem, e que nos cabe a nós levar isso da melhor forma. Depois, no final do jogo, antes de irmos para a reza, um assessor veio chamar-me a dizer que alguém queria dar-me uma coisa e quando fui ver era a camisola dele. Depois mandou-me uma mensagem no insta a dizer que tinha pedido para me entregarem a camisola. Um jogador com a carreira dele, fiquei extremamente contente.

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