O futebol esteve sempre muito presente na vida de Jorge Monteiro, conhecido no meio apenas por Jorginho. De geração em geração, a família conta com forte ligação ao CD Celeirós e o bichinho apanhou também o caçula.
Ele "sempre" acreditou que tinha qualidade para "singrar no futebol" e foi traçando o seu percurso pela formação do Merelinense, Celeirós e SC Braga, até encontrar as dificuldades naturais do futebol sénior. Depois foi vida a ser vida. Surpreendente.
Após cinco anos no Campeonato de Portugal sem conseguir dar o salto para as provas profissionais, Jorginho começou a preparar o "Plano B", que passava por juntar um trabalho das 6:00 às 14:00 numa empresa de qualidade em Braga ao futebol, e não é que foi nesse ano que fez a melhor época de sempre, com 17 golos em 25 jogos no Pevidém.
Os convites de divisão superior apareceram, mas nada que justificasse a saída do "outro" trabalho. Até que o telefone deu sinal de notificação de uma mensagem no instagram. Era o adjunto do Differdange e o resto é história. Campeão e melhor marcador do campeonato luxemburguês.
"O que se ganha no CP não é dinheiro para a vida"
- O que o levou a optar por outra solução no estrangeiro? Estava resignado com a sua situação em Portugal?
- Eu não estava bem resignado, nem conformado, pois não sou uma pessoa assim. Mas a verdade é que a vida não espera por ninguém e aos 25 anos o que se ganha no Campeonato de Portugal (CP) não é dinheiro que vá ajudar para a vida. Tinha de começar a olhar para outros lados para ter outra fonte de rendimento...
- Estava à espera que lhe aparecesse uma proposta do Luxemburgo?
- Tinha a noção de que ia receber boas ofertas depois da época que fiz. Fui o melhor marcador do CP e ia sempre abrir algumas portas, mas também tinha a consciência de que podia não ser bom o suficiente para deixar de trabalhar e voltar ao plano A. Estava a ponderar até que recebi uma mensagem no Instagram de um dos adjuntos (André Mendes) que esta cá no Differdange e que tinha jogado contra mim - eu no Pevidém e ele no Merelinense.
- Não houve possibilidade de dar o salto em Portugal?
- Eu tive alguns contactos de Liga 3, mais que isso confesso que não tive, mas nada era bom o suficiente para abdicar do trabalho aos 25 anos. Se tivesse 20-21 anos ainda valeria a pena, mas aos 25, a meio da carreira, era demasiado arriscado para os benefícios que podia ter.
- Passa de uma realidade em que conciliava o futebol com outro trabalho para estar no banco num jogo das competições europeias (Liga Conferência)?
- Pode parecer arrogância da minha parte, mas se queremos alguma coisa no futebol temos de acreditar e confiar que temos condições para jogar em qualquer lado. Eu tentei olhar com naturalidade para a situação, porque era algo que eu queria muito e não podia estar deslumbrado.
- O Luxemburgo e o Differdange foram ao encontro do que esperava?
- Mais ou menos. É sempre uma surpresa. Tinha noção que o futebol do Luxemburgo não é o melhor futebol do mundo, até porque o futebol é praticamente secundário atendendo às outras áreas, mas apanhei mais qualidade do que esperava, e apanhei melhores condições do que esperava. Outras não são tão positivas, mas foi melhor do que eu estava à espera.
"Superou as expectativas, mas não supera o sonho"
- O objetivo sempre foi o de ser campeão?
- Não, não, nunca foi, até há bem pouco tempo. O meu objetivo pessoal é ganhar sempre (risos), mas o clube é realista. É um clube com apenas 20 anos de história, que nunca tinha vencido um campeonato, então o nosso objetivo principal era garantir um lugar europeu, depois quando começou a dar começamos a pensar de forma diferente.
- O registo de 19 vitórias, oito empates e uma derrota é mesmo de uma equipa campeã. Então como se explica?
- Primeiro de tudo e não há que enganar, o nosso grupo de jogadores é incrível. Mesmo perante a dificuldade das línguas, porque temos várias nacionalidades, criámos uma envolvência muito grande. Quando íamos lá para dentro a língua era a do 'vamos ganhar'. Depois a equipa técnica preparava-nos muito bem para os jogos e contamos com o apoio da direção e os nossos adeptos também foram incansaveis. Não houve uma única vez em que não nos puxassem para cima. Merecemos muito isto.
- Em termos individuais: 24 golos no campeonato e mais três na Taça. Superou as expectativas?
- Superou as minhas expectativas, mas não supera o sonho. Tenho de pensar sempre que faço 40 golos (risos). Pareço lunático, mas é a minha forma de me motivar.
- Com esse registo acredito que passou a ser bastante acarinhado pelos adeptos...
- Sim, sim. Recebi muito apoio deles e estou muito grato.
- Como foram os festejos?
- O jogo foi duro, mas um momento muito especial. Sentíamos mesmo as coisas a acontecer e quando o dia chegou foi correr, saltar, gritar... Tive o privilégio de ter cá a minha família para este jogo - os meus pais e uma tia - e um amigo de infância que está cá em Differdange também veio ver. Foi tudo ainda mais especial.
- Houve lágrimas?
- No início não, mas quando os meus pais chegaram à minha beira foi difícil conter.
- Nada arrependido da decisão?
- Nada mesmo, nem há tempo para isso. Se na vida já não há tempo, então no futebol há menos. Se corresse mal vinha para casa já a dar uns toques no francês, com experiência no estrangeiro de um ano e com algum dinheiro junto, felizmente, e novas histórias e aprendizagens. Nunca ia perder.
- Se soubesse o que sabe hoje, talvez tinha tomado a decisão mais cedo, não?
- Se tivesse a oportunidade, sim... Em Portugal é complicado. Quando se entra no círculo de estar 4-5 anos no CP vais ficar por lá, na Liga 3 é igual. Há muita qualidade em Portugal, então os jogadores são sempre os mesmos. Só com alguma sorte, e com mérito, claro, é que se dá o salto. Às vezes é preciso vir para fora para poder voltar melhor um dia.
"Acredito que isto me pode abrir boas portas"
- O que se segue?
- É dificil dizer. Tenho sonhos, mas o mais importante é viver o momento. Tenho contrato aqui, acredito que isto pode abrir boas portas, mas eu quero é viver o momento. Vamos ver o que será melhor para o meu futuro.
- E um regresso a Portugal?
- Não me acredito. Só se tivesse uma oportunidade muito boa. Mas muito dificilmente... Eu gostava de ir para casa, pois Portugal será sempre a minha casa, mas eu nem digo que sou emigrante. Sou um português que veio jogar para fora.
- O Luxemburgo também tem muitos portugueses...
- Differdange é das maiores comunidades. Em 50 pessoas, 30 são portuguesas (risos). Isso torna a adaptação muito fácil. Eu vou ao supermercado e tenho sempre uma pessoa portuguesa e nos cafés e restaurantes é igual. Ao início entrava num sítio e dizia bonjour (n.d.r: bom dia em francês) e eles respondiam com um bom dia (risos).
Fotografias gentilmente cedidas por: @jessicacarmoph