Azerbaijão com Nuno Rodrigues: "Primeiro impacto foi muito complicado"
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Nuno Rodrigues cresceu longe dos grandes centros urbanos, mas isso nunca foi um entrave para alcançar o sonho de ser profissional de futebol.
Uma "pontinha de sorte" abriu-lhe as portas desse mundo e, depois de algumas épocas na Liga 2, já sem muitas perspetivas de chegar à Liga, partiu para a primeira experiência no estrangeiro aos 27 anos.
De Póvoa de Midões a Baku são 6181 quilómetros de distância, mas a "estabilidade" que conseguiu encontrar num futebol ainda muito "desorganizado" é um conforto para as saudades que sente de casa.
"Estava disposto a arriscar e ter uma experiência diferente"
- O Nuno cumpre a segunda época no Azerbaijão, como está a ser a experiência?
- Tem sido uma boa experiência, adaptei-me rapidamente. Além disso, tenho sido praticamente titular em todos os jogos.
- Quando recebeu o convite o que pensou? Procurou informar-se junto de alguém?
- Para ser sincero, não tive grande feedback. Não conhecia jogadores portugueses que tivessem estado por aqui. Mas, duas épocas antes, quando estava no Vilafranquense, houve uma oportunidade e cheguei a ter o contrato na mão, só faltava mesmo assinar para vir para cá. Acabámos por descer, mas depois mantivemo-nos na secretaria, porque o Cova da Piedade não se inscreveu, e eu, com mais um ano de contrato, acabei por ficar.
Mas eu já tinha a ideia de sair de Portugal. Jogar numa primeira liga era algo que desejava. O Azerbaijão, ouvindo e vendo à distância, claro que parece uma decisão difícil de tomar, mas estava disposto a arriscar e a ter uma experiência diferente. Falei com a família, que concordou, e avançámos.
- Satisfeito com a decisão?
- Sim. Primeiro vim para jogar numa primeira liga, algo que seria muito difícil de conseguir em Portugal, com a minha idade, e as coisas têm corrido bem. Este ano melhor do que o ano passado. É uma realidade diferente, nomeadamente em termos de condições de trabalho... Estava habituado a Portugal, onde tudo é trabalhado taticamente ao pormenor, aqui é muito diferente.
- Uma questão de adaptação, é isso?
- É uma questão de adaptação e de entrar no ritmo deles. Aqui ainda existe alguma desorganização. O novo treinador melhorou um bocado as coisas, mas quando cheguei aqui o primeiro impacto foi muito complicado.
- O que é mais diferente?
- A questão financeira também foi um ponto principal para sair de Portugal e alcançar estabilidade. De resto, são pequenas coisas. Eles não têm o hábito de dar um plano semanal aos jogadores. Acabamos agora (o treino) e depois é que recebemos uma mensagem com o horário para nos apresentarmos no dia seguinte. Mas tenho vários episódios. No ano passado, até meio da época, havia jogadores que chegavam cinco minutos antes do treino começar, o que é impensável num clube profissional.
- Como apresenta o campeonato do Azerbaijão, que conta com 10 equipas, sendo o Qarabag a equipa com mais expressão em contexto europeu?
- Em termos de orçamentos, o campeonato tem 3-4 equipas com um orçamento muito grande: Qarabag, Neftci e Sabail são clubes com grande poder financeiro e excelentes condições. Depois, este ano, há o Turan, o Zira e o Sumqayit, que têm condições interessantes e bons projetos. E o Araz está a incluir-se nessas equipas este ano. Depois, há clubes fora de Baku com mais dificuldades, longe da capital, o que torna mais difícil atrair jogadores estrangeiros e locais.
Jogamos quatro vezes entre as equipas, o que acaba por se tornar um pouco cansativo, fora os amigáveis que fazemos entre nós. Há poucas equipas, e quando há uma paragem, ainda jogamos com as equipas do nosso campeonato.
- E sobre os jogadores?
- Encontram-se jogadores com qualidade e, principalmente, são muito agressivos, fisicamente fortes e intensos. Também há alguma qualidade técnica. É um campeonato bastante competitivo. Não digo que o último classificado possa ganhar ao Qarabag, mas contra as outras equipas consegue competir e são bastante equilibradas.
"Não temos adeptos e não temos estádio próprio"
- O Araz é um clube fundado em 2013. Perderam contra o Qarabag na 1.ª jornada e seguem, agora, numa série de 7 jogos sem perder. Quais as expectativas?
- Parece um pouco clichê, mas as expectativas são de jogo a jogo. Sabemos que o presidente e o investidor têm uma ambição muito grande, mas nós, como equipa, temos os pés assentes no chão. Seria fantástico ficar entre os 3 primeiros e conseguir as competições europeias, mas não estamos obcecados com isso. No entanto, vamos lutar por esse objetivo.
- Encontrou muitas diferenças? Sentiu necessidade de adaptar o seu futebol?
- Numa primeira fase, os duelos, a intensidade, a agressividade e a falta de organização do jogo dificultam para quem vem com princípios mais definidos. No primeiro ano, acho que isso foi o mais difícil.
- Apesar disso, as infraestruturas são boas?
- Pelo menos, no Araz não. O clube tabém não consegue oferecer isso porque estamos um pouco deslocados. A cidade de Nakhchivan está entre a Arménia, o Irão e a Turquia. É um território que pertence ao Azerbaijão, mas está no meio desses países. Por isso, jogamos os jogos em casa em Baku e não temos adeptos, não temos um estádio próprio, e quanto aos campos de treino, estamos sempre a saltar de um para outro, não temos uma situação estável.
- Não há estádio em Nakhchivan?
- Posso dizer que só fui uma vez a Nakhchivan, na pré-época, porque fomos estagiar na Turquia e passamos por lá, mais para conhecer a cidade. No ano passado, nunca fui à cidade do clube. Fazemos tudo em Baku.
- Ao menos treinam sempre no mesmo local?
- Este ano, temos treinado mais num campo que pertence a uma equipa da segunda liga, o Sporting de Baku, a cerca de 30 minutos do centro de Baku. No entanto, a qualidade do relvado não é boa. Depois, andamos com a casa às costas. (...) Aqui eles têm o hábito de treinar antes de um jogo no complexo da equipa adversária. Sempre que vamos fora, o adversário empresta o campo para treinarmos.
- Os azeris interessam-se por futebol?
- Para ser sincero, não há muitos adeptos. Só há uma grande presença de público quando o Qarabag joga nas competições europeias. É como se fosse a seleção que estivesse a jogar; os adeptos dos clubes apoiam todos o Qarabag no estádio.
- Acaba por ser bom porque sente menos pressão a jogar? Ou sente falta desse lado do futebol?
- Pessoalmente, gosto de jogar com mais adeptos. Por outro lado, há essa parte da pressão, mas eu creio que não é muito benéfico. Às vezes, há jogos que parecem jogos de treino. Quando jogamos em casa, não temos adeptos. É muito chato e tira a essência do jogo.
"Recebi prémio de jogo no último empate"
- Sente que era inevitável ir para fora?
- Numa primeira fase, enquanto jogava no CP, o primeiro objetivo era ser profissional. Depois, nos primeiros anos, era poder afirmar-me e ainda chegar à Liga. Contudo, com o passar dos anos, percebemos que vai ser difícil. Olhando agora para a situação, se tivesse saído 1-2 anos mais cedo, talvez pudesse ter sido a melhor opção.
- A questão financeira também acaba por ser importante...
- Isto acaba rápido. Só para terem uma ideia, sempre que ganhamos, existem prémios de jogo, mesmo quando empatamos. Nos dois empates que tivemos, recebemos prémios de jogo.
- Nunca teve isso em Portugal?
- Se compararmos com Portugal, nunca tive isso. Olhando para o que se recebe aqui, sabendo que poderíamos ter dado este passo um ou dois anos mais cedo, é uma almofada que se ganha e que, no futuro, fará sentido para proporcionar mais estabilidade à nossa vida.
- Como é a vida fora do futebol em Baku?
- A língua é o primeiro obstáculo; o inglês não é bem dominado pelos locais, falam mais russo. Quanto à alimentação, consegue resolver-se. Baku é uma cidade com muito trânsito. Eles têm o hábito de treinar à tarde, o que é uma diferença em relação a Portugal. O dia a dia é acordar, passar algum tempo em casa com a família, almoçar, sair para treinar e chegar às 8 da noite.
- A família está consigo?
- Sim, inicialmente vim sozinho, mas elas vieram logo em seguida.
- Não é fácil viajar para o Azerbaijão...
- Não há voo direto; o voo mais curto que consegui fazer foi na casa das 11/12 horas. É terrível. Já com a escala, normalmente na Turquia, não é fácil. A diferença horária é de 3 horas, depois com a mudança da hora passa a 4. Mas a viagem é complicada. No entanto, estamos aqui perto de outras zonas interessantes. Consegui aproveitar a última folga para conhecer outros países. A vida no futebol tem essa vantagem: podemos conhecer novos lugares. Se não fosse o futebol, talvez nunca viesse ao Azerbaijão.
- Do que sente mais saudades?
- Sinto saudades de tudo: da família, principalmente, dos amigos e da nossa casa. Por muito tempo que estejamos fora, quando chegamos a Portugal, sentimos que estamos em casa.
"Estou orgulhoso do que tenho feito, sem nunca pisar ninguém"
- Sente que esperam mais de si por ser estrangeiro?
- Pelo menos na primeira época, senti isso. Os jogadores estrangeiros são vistos como aqueles que têm de resolver os jogos. Esta época já não tanto, mas quando as coisas começam a correr mal, os estrangeiros são colocados em cima da mesa. Chegamos a ser chamados quando as coisas não correm bem. Há um pouco essa pressão. Não temos a pressão dos adeptos, mas temos a pressão do próprio clube.
- O mister Fernando Santos está agora na seleção do Azerbaijão. Os seus colegas perguntaram muito sobre ele?
- Por acaso, não muito. Eles conhecem o mister por ter ganho o Europeu e falam muito nisso. Mas aqui, quando dizemos que somos portugueses, mesmo no táxi, a primeira coisa que mencionam é o Ronaldo. Falam muito do Quaresma também, por causa da ligação à Turquia. Quanto ao Fernando Santos, fizeram algumas perguntas sobre o currículo, mas nada de mais.
- Continua a acompanhar o futebol português?
- Dou mais valor àquilo que fazemos em Portugal com menos recursos financeiros. Sinto um pouco de saudades da forma como se trabalha lá. No geral, sinceramente, penso que não tenha mudado tanto neste ano e meio. A segunda liga é muito competitiva, com equipas a apostarem mais, mas os orçamentos não ganham jogos. Já na Liga, o Sporting está muito forte, a jogar quase de olhos fechados; o Benfica está a recuperar com o Bruno Lage; e o Vítor Bruno está a ser uma lufada de ar fresco no FC Porto. Sempre que posso acompanho os jogos.
- Olhando para trás, está satisfeito com a carreira que fez?
- Comecei na distrital de Coimbra e foi difícil. Mas foi um processo de luta, de acreditar, de trabalho e também de alguma sorte. Quando dei o salto do CP para a Liga 2, o mister Vasco Seabra até já contou a história - ele estava a analisar outro jogador, gostou de mim e tive a felicidade de ir para o Mafra. Se não fosse essa pontinha de sorte, as coisas teriam sido de outra maneira e talvez não estivesse aqui hoje. Estou orgulhoso do que tenho feito até agora, sem nunca pisar ninguém, e espero continuar mais uns anos neste caminho, que não é fácil.
- Está quase a completar 30 anos. Quais são as superspetivas para o futuro?
- O objetivo é continuar no estrangeiro; gostava de ter a experiência de outros campeonatos. Penso que a minha presença aqui poderá abrir outras portas. Neste momento, quero continuar mais 2-3 anos fora, se assim for possível, e, se possível, conhecer outros campeonatos. E, quem sabe, um regresso a Portugal para terminar lá, aos 40 (risos).