Entrevista Flashscore a Kiki Afonso: “O Ural é um passo gigante na minha carreira”
"Muitos altos e baixos". A carreira de Kiki dava um filme. O primeiro amor foi a natação, mas não demorou a ceder à paixão pelo futebol. Deu os primeiros passos no Marinhas, passou pelo FC Porto e Rio Ave, antes do primeiro contratempo. Saiu para Inglaterra cheio de sonhos e regressou a Portugal sem nada.
O Atlético CP abriu-lhe a porta na Segunda Liga e deu o salto para a Primeira. Caiu para o Campeonato de Portugal. Por lá, o Felgueiras deu-lhe novamente asas para mais um salto para a Primeira Liga. Caiu novamente. A melhor queda da sua vida.
Marcado pelos tombos, Kiki Afonso encontrou em Vizela o palco perfeito para escrever uma história muito bonita no futebol português. Entregou a alma e o coração ao clube e saiu pela porta grande. Não podia desperdiçar uma oportunidade de uma vida. O presente é o FK Ural, da Rússia, e a primeira entrevista exclusiva para Portugal foi dada ao Flashscore.
“Cheguei aqui e parecia que já me conheciam há muito tempo”
- Como estão a correr os primeiros dias na Rússia?
- Muito sinceramente, tem superado todas as expectativas. A viagem foi um bocadinho cansativa, como é normal, mas a bondade e o profissionalismo das pessoas para connosco tem sido incrível, desde que aterramos. Estou aqui há pouco tempo, mas com uma vontade enorme para encarar o novo desafio.
- O que lhe foi dito?
- Passaram-me uma força incrível. Parecia que já me conheciam há muito tempo. Eles viram aquele vídeo que a SportTV passou no último jogo (Vizela-Sporting) e deram-me os parabéns pela bonita homenagem. Isso mostrou que também estão muito motivados e ansiosos por me conhecer.
- Já dá alguns toques no russo?
- Algumas palavras-chave que fiz questão de aprender (risos). Um bom dia quando chegamos a algum lado também mostra às pessoas que estamos aqui por algum motivo.
- Estava em final de contrato e deve ter recebido várias propostas. O que o levou a aceitar o projeto do Ural?
- Toda a gente sabe o quanto eu adorava o Vizela, o quando eu me sentia em casa naquele clube, mas senti, juntamente com o meu empresário (Hélio Martins, da SoccerSoul), que estava na altura de ingressar num novo projeto. O Ural apresentou-me um projeto ambicioso e fizeram muita força para que eu viesse para cá. Isso foi o que mais me aliciou.
- Como se sente por abraçar uma nova aventura no estrangeiro?
- Tinha passado por uma experiência em Inglaterra, mas naquele momento não estava preparado. Hoje, com tudo o que passei na minha carreira - muitos altos e baixos - sinto que estou preparado para este novo desafio. Cresci muito nestes últimos quatro anos em Vizela e sinto que vim na altura certa. É um passo gigante na minha carreira e não podia ter melhor oportunidade do que esta.
- Quais são as perspetivas para a próxima época?
- A nível coletivo, passaram-me uma mensagem muito forte. Querem fazer crescer o clube, um pouco à imagem do que fizemos em Vizela, e se possível conquistar uma Taça. As infraestruturas são surreais! Não dá para descrever como me senti quando cheguei e vi tudo. Só penso em dar o máximo para ajudar a equipa.
“Foram os passos atrás que me permitiram ver outras coisas”
- Para trás fica uma passagem muito bonita em Vizela. Do Campeonato de Portugal até à Primeira Liga. Foi difícil chegar até aqui?
- Foi muito, muito difícil, mas também muito saboroso. Os passos atrás que dei e as chapadas que levei serviram para crescer e evoluir. No momento é mau e difícil de aceitar, mas hoje, olhando para trás, consigo perceber que nem tudo foi mau. Foram esses passos para trás que me permitiram ver outras coisas, principalmente sobre mim, algo que não estava a fazer bem. Felizmente, acabei a viver um conto de fadas em Vizela.
- O que fez com que não desistisse?
- O meu sonho de criança. Os meus pais sempre souberam que era esse o meu objetivo e isso foi o que nunca me deixou desistir. Sabia que era possível, apenas tinha de melhorar algumas coisas. Esses altos e baixos serviram para aprender. Nem tudo dependeu de mim, mas foquei-me só em mim e no que podia controlar. Queria poder ajudar a minha família um dia, porque sempre me apoiou em tudo e nunca me deixou cair.
- Por falar em família, ainda fica arrepiado quando recorda a homenagem que recebeu deles em Vizela?
- Não é fácil. Ainda ontem estávamos aqui no clube e vimos esse vídeo. Foi difícil. Tenho de controlar-me muito porque arrepio-me sempre e as lágrimas aparecem. Passe o tempo que passar, aquele momento vai ser um dos mais bonitos da minha carreira.
- O que as pessoas lhe disseram antes da partida para a Rússia?
- As pessoas de Vizela sabiam que eu ia viajar e nesse dia até recebi uma mensagem a dizer que aquele era um dia cinzento em Vizela. Isso marca-me muito, pois é um sinal de que marquei as pessoas de uma linda cidade e de um clube único. É bom saber que vão sentir essa saudade. Mas a verdade é que vão ter sempre o Kiki presente. Estamos apenas a uns quilómetros de distância.
- Parte do coração ficou em Vizela?
- Sim, sem dúvida. Estarei sempre a acompanhar o Vizela e desejo todo o sucesso do mundo ao clube e às suas pessoas. Não foi fácil fazer o que fizemos e certamente não será fácil dar continuidade. Será sempre um desafio, ano após ano, mas tenho a certeza de que o Vizela se vai manter por muitos anos na Primeira Liga.
- Quando chega a Vizela, algum dia imaginava que ia ter esta história no clube?
- Na altura estava um pouco em baixo, mas a força das pessoas fez com que abraçasse aquele projeto. Não podia desistir. Nos primeiros dias percebi qual era o objetivo daquela gente e isso deu-me força para continuar a lutar. Ninguém estava à espera da Segunda Liga que fizemos, um dos momentos mais bonitos ali dentro, em que mostrámos que com pouco se pode fazer muito… Escrevemos uma história única e merecemos a subida. Depois tivemos uma época brilhante na Primeira Liga e este ano fui capitão de uma equipa que voltou a fazer história com o recorde de pontos. Um autêntico conto de fadas.
“Não venho passar férias”
- O que acha que fez com que o Ural se interessasse por si?
- Daquilo que me passam, foi um bocado a paixão, raça e vontade que demonstro dentro de campo. A nível pessoal ainda não me conheciam, mas vão conhecer.
- O que podem esperar os adeptos do Ural?
- Estou muito motivado. Venho com um objetivo muito claro, não venho passar férias. Pretendo fazer aqui o mesmo trabalho que fiz no Vizela. O Ural é um clube muito ambicioso e também querem fazer história. Se puder marcar o meu nome, ainda para mais sendo o primeiro português no clube, seria mais um conto de fadas para escrever no meu livro.
- Na despedida foi muito elogiado por vários companheiros, dirigentes e treinador. Elogiaram a parte futebolística, mas também a parte humana. É sinal de que recebeuuma boa educação…
- Venho de uma família muito humilde, que me deu valores muito fortes. Sempre aprendi que não ganho nada a querer o mal dos outros. Se eles estiverem bem vai ser o meu bem também. Ou seja, eu preciso que o meu colega de posição esteja no máximo para eu também estar no máximo. Isso fez toda a diferença.
- …
- Este ano aprendi a ser um líder. Mesmo nos maus momentos, tinha de estar bem para dar uma força extra à equipa. Cresci muito no Vizela. O João Pedro (diretor desportivo e antigo capitão) ajudou-me muito. Tem uma experiência e uma história incrível naquele clube. Quando me perguntam sobre os segredos do Vizela, respondo união e força positiva. Espero passar essa energia aqui.
- Independentemente do que aconteça, o que espera que digam sobre si no final da época 2023/24?
- Espero que estejam orgulhosos do meu trabalho e que digam que fui uma das revelações do campeonato.
- Por fim, convido-o a deixar alguns agradecimentos, se assim entender. Para quem vão essas palavras?
- Agradeço à minha família que nunca me deixou cair. Passamos momentos altos e baixos e isso tornou-nos mais forte. Depois uma mensagem também para as pessoas que nunca acreditaram em mim. Sempre me disseram que não seria capaz e hoje está provado que sou. Foram também essas pessoas que me deram força extra. Também aos jogadores que me marcaram no Vizela e ainda uma palavra muito especial ao meu empresário. Acompanhou-me sempre, sobretudo nos momentos mais difíceis da minha carreira, e hoje estamos muito felizes. Também é um passo grande para ele.