Entrevista Flashscore a Pepa: "Neste momento não me vejo a voltar a Portugal"
- Como está a ser a experiência no Catar?
- Está a ser uma surpresa positiva, sinceramente. Estou a gostar muito, em termos de adaptação está a ser fácil. O português é aventureiro. Quando se diz que o treinador português é um dos melhores do mundo, acho que não é só o treinador, é em várias carreiras, áreas. Acho que somos mesmo bons, porque temos humildade de ouvir, adaptar e não arranjar desculpas, mas soluções. De resto, a família gosta muito. Falta só o voo direto, que ainda não há, mas já me disseram que em junho passa a existir um voo direto entre Lisboa e Doha, o que vai facilitar. E ainda por cima sinto o campeonato, ainda por cima com o Antero que é uma pessoa na estrutura da liga, que é uma pessoa com conhecimento e know-how muito grande, sinto que está a evoluir. Tiveram o Mundial há pouco tempo, o Médio Oriente não vai ficar por aqui o investimento no futebol.
- Sente também que as pessoas destes campeonatos emergentes vão buscar conhecimento para poderem fazerem a evolução?
- Sem dúvida. Eu sem estar a querer falar e criticar alguém, mas se um treinador chega a um clube destes e for resignado, acomodado e pensar que vai estar ali seis meses ou um ano e não se vai desgastar com certas coisas… Para mim isso está errado. Recebe o seu dinheiro, faz o seu trabalho, mas não está. Eu sei bem as chatices que tive, no bom sentido, no Al Taee, na Arábia Saudita, mas quando sai tenho a certeza que o clube estava melhor. Sei eu, sabem os jogadores, a Direção, sabemos todos. É deixar o cunho. Aqui não me posso deixar ficar acomodado, por muito que às vezes que a pessoa acorde com o problema simples que em Portugal é um estalar de dedos e que ali demoram uma eternidade. Há coisas que não dá para acreditar, mas a verdade é que acontecem e temos de ter a capacidade de explicar, argumentar de fazer ver o porquê das coisas, que não estamos a pedir para embirrar com ninguém. Estamos a ajudar o clube e os jogadores. Quando o Pepa sair do Al-Ahli de Doha tenho a certeza que muitos dos treinadores vão encontrar os pedidos que já foram resolvidos ou que já foram documentados. É uma das tarefas dos treinadores.
- Outra experiência muito diferente da de Portugal foi o Brasil…
- Fantástico, as pessoas às vezes até ficam surpreendidas quando eu digo que gostei muito. Tive pena. Eu até pensava que como era uma SAF (equivalente da SAD) ia ter mais respaldo no momento mais crítico. Fiquei um bocado desiludido e triste com a decisão da Direção (do Cruzeiro), porque estávamos bem, dentro dos objetivos e até próximo de os superar, mas isso não são coisas que eu controlo. O que eu controlo é o meu trabalho, o dia a dia. Sendo mais sintético na resposta, gostei muito por inúmeras razões, mas uma delas é a paixão pelo futebol de tudo e todos, às vezes um bocado exagerada mas é melhor a mais do que a menos, e a qualidade técnica dos jogadores que é uma coisa absurda, pelo positiva.
- Do ponto de vista tático já implica mais trabalho do treinador…
- O que eu senti no Brasil é que eles conseguem, fazem, percebem. Muitas vezes o treino no campo é só para tirar uma fotografia, isto é uma maneira de falar, mas temos de trabalhar muito à base de vídeo, grafismos e de estratégia, sem trabalhar muito no campo, porque não há tempo. Mas aí está demonstrado a inteligência do jogador. No que é que eu senti uma grande diferença para a Europa? Na parte emocional. O jogador brasileiro tiramos a parte do jogador e fica igual ao povo, aos adeptos. Por isso é que parte muito e parece que não percebem tanto o jogo. Percebem, mas a parte emocional é tão brasileira, tão quente na emoção, na explosão de sentimentos que às vezes um pequeno rastilho e estoira. Na Europa, às vezes dá vontade disto, mas sabemos que vai desestabilizar e equipa e o jogador, vai estragar o jogo.
- O que faltou até ao momento para o Pepa ter um projeto mais ambicioso no nosso futebol?
- Sinceramente, penso que não faltou nada. Houve uma decisão, a saída do Vitória SC, foi o que foi, uma surpresa para mim. Um choque de ideias, uma coisa um bocado à brasileira, maneira de falar, uma coisa mais quente entre mim e o presidente, que faz parte. Saí e continuou a torcer pelo Vitória SC que é um clube fantástico em todos os sentidos, mas penso que estava a ser um trajeto muito bonito em Portugal, desde lá de baixo. Orgulho-me de até hoje ter conseguido os objetivos todos por onde passei, às vezes até superado. Sei que vai chegar o dia em que não vou conseguir o objetivo proposto, mas ainda não chegou. Digo isto com muita satisfação e orgulho. Dá-me um prazer enorme de conseguir isso. No Vitória SC foi conseguido, competições europeias no primeiro ano e no segundo acabo por sair por causa de um episódio entre treinador e presidente, que faz parte. Mas senti que aquele segundo ano, que costuma ser melhor que o primeiro, e fazendo uma época igual ou melhor e quem sabe um terceiro, com naturalidade, como aconteceu com outros treinadores, podiam abrir-se portas de um Benfica, FC Porto e Sporting. Ao sair de Portugal percebo porque muitos poucos treinadores voltam. Essa é a realidade.
- Para lá de muito racional, é um homem de emoções, sentimentos e não está a calcular voltar tão cedo...
- Não. Eu voltava… Não vale a pena, sei que a probabilidade, sou muito frio nessas análises, realista. Paços de Ferreira duas épocas fantásticas, Vitória SC… A probabilidade de chegar a um clube que me dê condições para lutar por um título aumentou nessa fase, agora sei que diminuiu, tenho noção disso. Não quer dizer que não possa acontecer, mas sei que a probabilidade de voltar é mais baixa. Portanto, acho que só voltava para Portugal porque era quase impossível dizer que não a um Benfica, FC Porto e Sporting. É aquele sonho de ser campeão. Não acontecendo isso e com todo o respeito e humildade que possa ter por todos os clubes… Neste momento não me vejo a voltar.
- Por falar nisso, tem acompanhado o nosso campeonato? Está a chegar às jornadas finais com muitas decisões por definir.
Acompanho tudo o que posso, porque a diferença horária dos jogos lá permite-me chegar a casa e ver os jogos e vejo tudo o que posso. A manutenção está possível para todos, mesmo um Chaves, um Vizela, um Portimonense. Eu lembro-me o que passei no Tondela e tudo é possível. Ficámos por um golo, não foi um ponto, se isto fosse noutro país dava um filme. Nas provas europeias está arrumado, o Vitória SC está a fazer um campeonato brutal, não tão entusiasmante na forma como joga, mas em termos de rendimento está a arrasar, que já garantiu praticamente as provas europeias e agora pode dar-se ao luxo de discutir o quarto lugar. Pelo título vejo o Sporting mais consistente desde o início, foi crescendo e atingiu um patamar, o próprio Rúben Amorim já assumiu que é a melhor equipa que tem desde que está no Sporting. Tem muitas opções, um futebol difícil de anular. O Benfica tem oscilado muito, mas tem individualidades que podem resolver o jogo a qualquer altura. O FC Porto está no melhor momento agora, mas pode não ir a tempo de recuperar tantos pontos e não vejo os rivais a perderem muitos pontos até ao final, mas consigo ver os dragões a ganhar tudo até ao fim, mas será que isso chega? Na corrida dos 100 metros, o Sporting está dois metros à frente do Benfica e um metro à frente do FC Porto.