Josué explica saída do Legia em exclusivo: "Não estou no futebol para fazer amigos"
A possibilidade já vinha a ser ventilada de forma insistente na Polónia, mas a confirmação chegou de viva voz por parte de Josué. O internacional português e o histórico Legia Varsóvia seguem caminhos diferentes no final da presente temporada.
Nas redes sociais, o médio e capitão da equipa polaca quis esclarecer todas as dúvidas e dirigir-se aos adeptos com toda a frontalidade que o caracteriza. Mas ficaram algumas questões no ar: a decisão partiu do clube? Ou dele? E o que dizer de todas as críticas que recebeu ao longo dos últimos tempos?
Acusado por antigos jogadores do Legia de ser um "peso" no balneário, de não estar comprometido com o grupo e de ser "demasiado exigente" com os companheiros de equipa, Josué manteve-se sempre em silêncio. Até agora.
Disruptivo por natureza, o camisola 27 abriu o coração ao Flashscore para explicar em exclusivo as razões que o levam a colocar um ponto final nesta ligação de três anos ao Legia. Sem medo das palavras. Até porque, garante, dorme de "consciência tranquila".
"Não me identifico com algumas pessoas no clube"
- O Josué anunciou nas redes sociais que a sua ligação ao Legia vai terminar no final da presente temporada. Qual a razão para este ponto final?
- Foram três épocas muito difíceis do ponto de vista mental. Era algo que eu já vinha a pensar há algum tempo e, tanto eu como o clube, fomos ao encontro da mesma decisão. Se me perguntar o porquê de não me oferecerem contrato ou o porquê de eu não querer renovar... Não tem a ver com questões profissionais, mas sim com questões pessoais. Há pessoas dentro do clube com as quais eu não me identifico e elas também não se identificam comigo. E quando assim é cada um vai para seu lado. O clube continua sem mim, um dia vai continuar sem essas pessoas e é a vida.
Eu adoro estar aqui, sou muito querido pelos adeptos, tenho um carinho e respeito muito grandes por eles, mas a vida é assim. Fecho um ciclo porque já estava mentalmente cansado de situações que se passavam dentro do clube. Obviamente que para fora passam aquilo que querem passar, mas é um ciclo que se fecha para mim e outro se vai abrir.
- Noticiaram que o Josué ficou surpreendido e dececionado com a decisão do clube, mas diz-me que já era algo que vinha a ser pensado por si... Em que ficamos?
- Sinceramente, não fiquei surpreendido, de acordo com alguns comportamentos nos últimos tempos. Da forma como vivo o clube e a minha profissão, eu não esperava nada de certas pessoas. Desejo a melhor sorte ao clube e às pessoas que gostam do clube, que são os adeptos, e sorte aos jogadores que ficam e aos que vão chegar, para que consigam colocar o Legia no caminho do título. O que mais me deixa triste é não ter conseguido ganhar nenhum campeonato no Legia.
Agora, sendo verdadeiro, eu sei porque não ganhei nenhum campeonato e o meu ex-treinador que foi despedido também sabe... E muitas pessoas também sabem. Isso basta e a vida segue.
- Quer falar sobre as razões?
- Acho que está à vista de toda a gente. Cada um tem a sua opinião sobre o que se passa no clube, mas a diferença é que eu não vejo o clube de semana a semana. Eu vejo o clube todos os dias e conheço-o muito bem, por dentro e por fora. O clube tem de melhorar muito, como eu tenho de melhorar muito em certas situações. Mas nem me alongo, porque as pessoas que me conhecem sabem o que se passa. Agora, vejo muita gente, muitos ex-jogadores e jornalistas a falarem sobre mim... Enfim. Falam de mim porque sabem que vão ser mais vistos e falados. Essas pessoas para mim não contam.
O meu ex-treinador foi despedido e se me perguntar se foi por questões desportivas... Eu digo que não. Ele teve um problema e foi despedido. Agora vai embora a pessoa em quem ele mais confiava como jogador. Ele também era a pessoa em que eu mais confiava. Mas tranquilo. Sei que vou continuar a jogar futebol, vou continuar a divertir-me e vou continuar a ser eu próprio.
- Uma das principais críticas que essas pessoas lhe apontam é de que é demasiado exigente com os seus companheiros de equipa. O Josué tem uma personalidade forte, mas está num clube que luta por títulos e deve sentir essa exigência. Sente que é um bode expiatório para justificar um falhanço?
- Claro que sim, 100%. Se eu entre amigos sou o que sou, imagine quando estou na minha profissão. Adoro jogar futebol e adoro competir. Jogar à bola podemos jogar com os amigos, mas competir com os amigos é muito difícil. Eu compito com os meus amigos, eu compito com a minha filha... Eu vou para um jogo e dou a vida para competir. Isso é o que me caracteriza. Em relação à questao do bode expiatório: quando as coisas correm mal, claro que sim, claro que sou. Estou acostumado a isso. Já lidei com tantas situações dentro do clube desde janeiro, a tentarem deitar-me a baixo, que podia escrever um livro.
- Consciência tranquila?
- Eu sei o que sou, sei o que sou para a equipa e sei o que dei ao clube. Os jornalistas falam, certas pessoas falam... Mas no final de contas eu fui o melhor médio e o melhor jogador estrangeiro no ano passado. Na primeira época que o Legia estava a lutar para não descer, fiz 18 assistências. Este ano dizem que o Josué é mau, mas continuo a ser o melhor marcador da equipa no campeonato. Se estivesse para me chatear com tudo o que dizem sobre mim não vivia. Posso garantir que durmo bem, sou feliz, tenho a família feliz e isso é o que mais me importa. O maior problema dessas pessoas é que eu tenho muita personalidade e se tiver de responder eu vou responder.
"Tenho de ser companheiro e profissional, não tenho de ser amigo"
- Mas para que fique claro: como é a relação com os seus companheiros de equipa?
- Eu exijo aos meus colegas o que exijo a mim. Eu não posso exigir a um para fazer uma coisa que ele não vai conseguir, isso não faço... Agora, exijo qualidade. Exijo que não falhe um passe, um golo ou que receba bem uma bola. Eu vou exigir sempre e gosto que eles exijam o mesmo de mim.
- São tantas as coisas que se falam sobre o Josué.
- Posso dizer que temos agora um treinador português (Gonçalo Feio) que chegou à minha beira e disse: 'já ouvi tanta coisa de ti, mas também já me disseram que és o unico jogador que não falhou um treino em três anos'. Isso quer dizer alguma coisa. As pessoas vão sempre falar. Se estás bem, as pessoas vão querer que estejas mal, e quando estás mal querem pisar-te ainda mais. Eu não deixo que ninguém me pise. É verdade que eu muitas vezes tenho o coração perto da boca, às vezes falo e não penso no que digo e arrependo-me... Mas eu sou assim e sempre fui assim. Agora dizerem que estou triste... É engraçado.Mas voltando aos amigos, eu pergunto: quantos amigos tinha o Cristiano Ronaldo no balneário do Real Madrid? Eu não estou no futebol para fazer amigos. Eu estou no futebol para ganhar troféus e dinheiro. Ponto final. Eu cresci sempre a ouvir que o futebol é para ganhar dinheiro para preparar o futuro e ganhar troféus para se lembrarem de ti. Os amigos são antes e depois do futebol. Eu no futebol tenho de ser companheiro e profissional, não tenho de ser amigo de ninguém.
- Mudemos agora um pouco o foco para os adeptos. O Josué passou bons e maus momentos com eles, mas o que fica no final de tudo? Sentiu a necessidade de lhes explicar que era o fim?
- Começaram a sair muitas notícias e uma mentira dita tantas vezes pode tornar-se verdade, como se costuma dizer. Assim eu fui claro. Parece que estavam com medo, mas eu não tenho medo e quis ser claro com as pessoas que gostam de mim. Tenho uma conexão muito grande com os adeptos e isso é o que mais me orgulha. Mais do que dizerem se sou fraco ou forte, se sou baixo ou gordo, a conexão entre nós foi muito boa. É isso que vou levar para sempre comigo.
- Passou por vários contextos em que teve de lidar com adeptos muito exigentes. Desde o FC Porto até ao Galatasaray e ainda o Hapoel Beer Sheva. Pode dizer-se que os do Legia são os mais especiais?
- Não o digo por ainda ser jogador do Legia, mas sim, eles são os mais especiais. Sinceramente, são esses adeptos que tornam o clube muito grande. Se os adeptos não vierem, o clube não seria assim tão grande como se faz ver. Digo isto do fundo do coração. Eles são incríveis.
- Varsóvia estará sempre no seu coração?
- Eu não me esqueço de nada. Tenho muitos momentos bons, outros nem tanto, mas virei cá muitas vezes. Deixo aqui muitos amigos de quem gosto e voltarei cá para visitá-los.
"Vou ter muitas saudades de jogar no estádio do Legia"
- O Josué está com 33 anos, mas parece que está cada vez melhor com o passar dos anos. Concorda?
- Estou bem fisicamente. Felizmente, nunca tive uma lesão grave na minha carreira e já vou com quase quatro mil minutos esta temporada em 47 jogos. Posso dizer que desfruto muito mais do futebol e da posição em que jogo.
- Os números estão à frente de todos. Acredita que é a melhor resposta a todos aqueles que o criticam?
- O que mais custa a todas a essas pessoas é a personalidade que tenho. Sou daquelas pessoas que não vai ao céu quando falam bem e que não vai ao chão quando falam mal. Aqui na Polónia, essas pessoas falam mal de mim, mas pode perguntar aos seus colegas aqui se já viram alguma entrevista minha a falar mal de X, Y ou Z. Nunca. E nunca vão ouvir. Eu não dou tempo de antena a essas pessoas.
- Está preparado para o último jogo?
- É difícil. Espero poder despedir-me no estádio. Vai ser um jogo que me vai marcar imenso pela relação que tenho com eles (adeptos). Só tenho palavras para agradecer, eu e a minha família somos bem tratados em todo o lado e se eu fosse assim tão mau isso não acontecia. Muitos adeptos identificaram-se com o meu espírito dentro do campo. Sei que às vezes exagero, mas com a adrenalina do jogo há muita coisa que não controlas e é assim que eu vivo no treino e no jogo.
Vou ter muitas saudades de jogar no estádio do Legia com o ambiente que eles criam, mas vou ser mais um adepto fervoroso. Espero que venham anos melhores.
"Não está nos meus planos voltar a jogar em Portugal"
- Relativamente ao futuro: O telefone já tocou?
- Sinceramente, não sei mesmo o que vou fazer. Faltam duas semanas para acabar e só estou a pensar em ir para Portugal de férias e depois desfrutar. Esta temporada tem sido difícil do ponto de vista mental. Tenho aguentado muita, muita coisa. Preciso mesmo de descansar e meter a minha cabeça no lugar.
- Há possibilidade ou interesse de ficar em Portugal depois das férias?
- Difícil. Não posso dizer nunca, mas... Não está nos meus planos voltar a jogar em Portugal. Foi muito bom, mas já deu o que tinha para dar. O futuro passa seguramente pelo estrangeiro, mas vamos ver.
- E é impossível ver o Josué noutro clube na Polónia?
- Daqui a duas semanas as coisas vão comigo, para onde vou a seguir não sei. A minha intenção não passa por ficar na Polónia até porque preciso mudar de ares. Como disse, estou mentalmente cansado. Estes três anos não foram fáceis. Dou só mais um exemplo. No jogo contra o Jaggiellonia (1-1), houve uma pessoa dentro do clube que foi falar com o treinador e dizer que eu fui o culpado pelo golo que sofremos. Eu deixo o convite para irem ver o golo e verem onde eu tive culpa. O Legia ganha e a equipa está muito bem, mas o Legia perde porque o Josué nao pressiona ou perde a bola. Esse é o tipo de coisas que tenho de lidar dentro e fora do clube. (...) Mais: houve um jornalista que escreveu que eu tinha dito aos meus colegas para não irem aos adeptos bater palmas. Mentira. Meteu isso no X (antigo Twitter) e disparou... Passado uns dias pediu desculpa num comentário. Não pode ser assim. Se eu errar, eu não tenho problemas em pedir desculpa.
- Acredito que seja um desgaste mental enorme...
- Claro que sim. Eu vivo isto. Estou aqui para ganhar e não estou aqui para ficar em 3.º ou 4.º lugar. Eu vim aqui para ganhar. (...) Na gala em que recebi o prémio de melhor jogador houve um ex-jogador que me veio entregar o prémio e disse-me tanta coisa boa. Eu só olhava para a minha mulher... Passados dois meses, esse mesmo senhor escrevia que eu era fraco e que o Legia tinha de jogar sem mim. Uma coisa que eu posso dizer a esse tipo de ex-jogadores é que fora da Polónia ninguém os conhece. Podem dizer que sou arrogante, mas esta é a verdade. Quer gostem ou não, estive três anos no clube e fui capitão em dois.
"Nunca nada me foi dado de mão beijada"
- Passaram 10 anos desde que o Josué deixou Portugal para rumar ao estrangeiro. É um Josué muito diferente?
- Não é muito diferente. Estou mais maduro em muitas coisas, mas continuo igual na minha maneira de ser. Isso não vou mudar nunca. Quem gosta de mim gosta, quem não gosta eu não obrigo. Ou é branco ou preto, ou gostas ou não gostas. Se tu fores leal comigo, eu vou ser o mais leal contigo. Agora se eu sentir que alguém está a trair-me, aí não esperes que eu seja leal.
- O Josué nunca escondeu as dificuldades por que passou na sua vida e chegou mesmo a assumir que aprendeu muito da vida sozinho. Está orgulhoso do seu trajeto?
- Claramente. Estou muito orgulhoso naquilo em que me tornei. Nunca nada me foi dado de mão beijada. Houve decisões que podia ter tomado de outra forma e que talvez me tivessem levado até outro patamar, mas estou muito orgulhoso do que tenho e da família que tenho.
- Sente que pode ser por não conhecerem a sua história que muitos não percebem a sua personalidade?
- O que eu acredito é que a mentalidade não é a certa para um clube como o Legia. Se eu fosse diretor desportivo de um clube, no inverno já estaria a preparar o verão, e vice-versa. Aqui é tudo feito um pouco em cima do joelho. (...) Aqui a camisola pesa, a baliza fica mais pequena... E colocam muita pressão nos miúdos. Dou-lhe mais um exemplo: havia um miúdo que diziam que ia ser o novo Josué e eu gosto muito dele, atenção, mas agora está emprestado a outro clube da primeira divisão e não joga.
Aproveito ainda oportunidade para contar uma última história. Antes do meu treinador (Kosta Runjaic) ser despedido, ele falou sobre mim numa entrevista após um jogo e, curiosamente, passado uma semana foi despedido. O que posso dizer? Nada...
- Obrigado por este tempo, Josué.
- Eu é que agradeço.