Nené, da Graciosa para o topo da Polónia: "A vida recompensou-me com este título"
"Momento mais marcante da minha carreira"
- Contra todas as expectativas, o Jagiellonia Bialystok sagrou-se campeão polaco depois de andar a lutar pela manutenção na temporada passada. A meio desta época a expectativa já era alta, tal como deu conta em entrevista ao Flashscore, mas agora está consumado. Já consegue explicar o que aconteceu?
- Nunca imaginei que isto pudesse acontecer no meu segundo ano na Polónia. Estávamos numa posição privilegiada a meio da temporada, mas sabíamos que ia ser difícil. Ainda assim, era possível. Facilitámos em alguns jogos na etapa final, mas tivemos a sorte de outros clubes também facilitarem, e isso mostra que este é um campeonato muito competitivo. Momento incrível, o mais marcante da minha carreira, e vai ser difícil superar. Eu e os meus colegas fizemos história e vamos ficar para sempre marcados no clube, adeptos e cidade. Isso é uma grande honra.
- O Jagiellonia Bialystok tem mais de 100 anos de história e só tinha conquistado uma Taça e uma Supertaça. De forma honesta, no início da época, imaginavam que iam lutar este verão pela presença na fase de grupos da Liga dos Campeões?
- Muito honestamente, não. Na nossa cabeça a ideia era lutar mais um ano pela manutenção e na melhor das hipóteses pelo top-8. Agora ser campeão, sinceramente, nao estávamos nada à espera. Mas o futebol tem destas coisas e aqui na Polónia acho que ainda é mais possível pelo equilíbrio que existe. Há muitos campeões diferentes. Fizemos história e nem há muitas palavras para descrever o sentimento. Nunca imaginei na minha vida vir para a Polónia e ser campeão. Há coisas incríveis para as quais não há explicação.
- No início da temporada existiam muitas dúvidas em relação ao treinador Adrian Siemieniec, mas a verdade é que, apesar da sua juventude (32 anos) e inexperiência na primeira divisão, ele teve um impacto fantástico. Fale-nos sobre ele...
- Lembro-me que no início, até por ser jovem e ter pouca experiência, preocupou-se muito em aprender com os mais velhos. Tentou absorver o máximo e valorizou muito o lado humano. No meu caso em específico, tivemos muitas conversas em privado. Chamou-me várias vezes ao seu gabinete e quis conhecer o meu passado para me perceber melhor. Acredito que tenha feito o mesmo com os meus colegas e conseguiu tirar o melhor de nós. Isso é mérito dele. Os treinos evoluíram muito e as suas ideias são um pouco inovadoras perante o que vemos na Polónia. Depois também temos jogadores inteligentes que acreditaram no treinador e apoiaram-no sempre. Só isso é meio caminho andado para o sucesso.
- O Jagiellonia não tem o poder de outro clubes polacos, mas o treinador mostrou uma capacidade enorme para potenciar jogadores, desde os mais velhos aos mais jovens. Qual a chave para esse sucesso?
- A ideia. Ele pediu para confiarmos na sua ideia e quando desfrutas do que fazes nos treinos e vês os resultados nos jogos vais estar sempre do lado do treinador. Posso dar o exemplo do (Dominik) Marczuk, que veio de divisões secundárias e ele teve o mérito de perceber as suas qualidades, e também o (Bartlomiej) Wdowik, que fez uma época incrível como lateral esquerdo. O lado mental foi muito importante.
No meu caso, eu era um 6 a jogar mais recuado e de frente para o jogo e ele foi tendo muitas conversas comigo no sentido de potenciar as minhas qualidades mais à frente. E teve razão. Andei mais perto da área, mais como um 8 ou um 10, e consegui fazer golos.
- Olhamos para a tabela e percebemos que foi uma loucura até à última jornada. Como foi viver tudo semana após semana?
- Stressante! Tive dificuldades para dormir à noite quando chegava o dia de jogo. A ansiedade ia crescendo e era difícil controlar. Mas o grupo reagiu bem e o treinador também. Passaram sempre muito a ideia de que se não fôssemos campeões, já seria uma grande temporada. Ou seja, tentavam tirar essa pressão, mas é difícil quando estás à beira de fazer história. Felizmente, fomos sempre muito fortes em casa...
- Falou-se muito da questão de terem sido campeões com menos de 70 pontos, algo que já não acontecia há algum tempo...
- Sim, eu vi algumas coisas sobre isso. As pessoas falaram que a nossa pontuação de campeão era das mais baixas na Europa, mas eu olho mais para isso pela competitividade. Também foi uma época em que equipas como o Legia, o Rákow e o Lech Poznan estiveram abaixo do habitual e deu para nós. Tivemos o nosso mérito.
- Em termos individuais, acredito que posso dizer que esta foi a melhor época da carreira do Nené, até pelos números apresentados (11 golos e sete assistências). É possível melhorar este registo?
- Se o treinador me meter a bater penáltis, talvez consiga fazer mais golos na próxima época (risos). Vai ser difícil depois desta época excelente. Em termos de números é difícil fazer melhor, mas é possível. Sinto que num ou outro jogo podia ter feito golo e não fiz.
"Ainda não tenho bem noção do que aconteceu"
- Vamos então ao dia 25 de maio. Jogo do título em casa, atmosfera fantástica e marca golo logo nos primeiros minutos... Como foi viver isso?
- Imagino que os adeptos ainda estivessem mais nervosos. Foi um dia incrível, desde o momento em que chegamos ao estádio até ao apito inicial. Tive aqui a minha família - o meu pai, o meu irmão e alguns amigos - e eles disseram que o ambiente estava fenomenal. Nunca pensei viver uma situação destas e parece que ainda não tenho bem noção do que aconteceu.
- Após o apito final reparei que não estava muito efusivo e até andava à procura de alguém nas bancadas. Quando é que caiu a ficha e percebeu realmente o impacto do que tinham acabado de conquistar?
- Ainda não sei se caiu (risos). Não sou uma pessoa muito de festejos ou efusiva. Sinto mais por dentro. Sinceramente, não sei o que dizer... Foi um momento de festa com os meus colegas e familia. É algo que vai ficar para sempre marcado na minha vida.
- Tive a oportunidade de ver as imagens da festa no centro da cidade e confesso que fiquei arrepiado. Mas acredito que tenha sido ainda melhor viver isso na primeira pessoa...
- A cidade estava cheia. As pessoas saíram do estádio e foram a pé para o centro. Eu olhava para a cara das pessoas e via a emoção. Estavam em êxtase. Olhavam para nós como se fôssemos os salvadores. Não sei mesmo muito bem o que dizer. Momento incrível! Não havia mais espaço para ninguém. Não tenho palavras para descrever o apoio que nos deram o ano todo. Cenário de filme.
- Tem sido facil andar na rua nos últimos dias?
- Algumas pessoas pedem para tirar foto e dão os parabéns, mas sempre com muito respeito. Os polacos são pessoas civilizadas e não abusam. Entretanto também saí da cidade e vim para Wrocław, cidade da minha namorada e do segundo classificado (Slask), e aqui parece que não me conhecem (risos).
- Ela era adepta do Slask?
- Não, não... Jagiellonia (risos).
"Estive muito perto de desistir"
- Há uma imagem icónica do Nené a subir ao relvado com a bandeira da Região Autónoma dos Açores aos ombros. Para onde quer que vá, ganhe os títulos que ganhar, ela estará sempre consigo?
- Nunca vou esquecer as minhas origens. É um orgulho ser dos Açores e da minha Ilha (Graciosa). Tenho orgulho de vir de uma ilha pequena e chegar a um país enorme, com milhões e milhões de pessoas, e ser campeão. É muito bom poder dar alegria às pessoas de lá que gostam de mim e espero que se sintam orgulhosas. Os meus avós estão lá e não têm a oportunidade de me ver jogar e o que me dá mais orgulho é saber que eles podem andar na Ilha e dizer que são avós do Nené, um rapaz dali que está a ter sucesso. Onde quer que esteja, vou tentar sempre promover a minha região, nem que seja para atrair turistas (risos).
- Acredito que algum polaco já comece a olhar para os Açores de forma diferente.
- Muita gente já me pergunta como são os Açores e tenho satisfação em dizer que vale a pena. Se puderem, vão até lá e não se vão arrepender. É completamete diferente do que estão habituados na Polónia.
- Esta imagem do título é a que fica, mas não se pode esquecer todo o percurso. Não foi fácil chegar até aqui, pois não?
- Quando estou sozinho, penso muito nisso. Parece que são coisas que estavam escritas. A minha vida parece um filme. Quando estava no Fafe, depois do primeiro ano, estava a pensar em desistir do futebol no final da época. Pensava que ia dar o salto, mas já sabia que não ia acontecer e, então, falei com o meu pai e já tinha trabalho em Toronto para ir ter com ele. Mas passados uns dias liguei-lhe e disse que ia dar mais uma oportunidade ao futebol.
A verdade é que fiz mais uma época no Fafe e foi aí que a minha carreira mudou e fui para o Santa Clara. Ou seja, estive muito perto de desistir, decidi dar mais uma oportunidade e a minha vida mudou. Por isso, sinto que a vida ou o destino deu-me este título. Sei que não acontece com toda a gente, mas se não tentarem nunca vão saber. Fui recompensado com este título.
"Os meus amigos pediram-me para fazer o festejo do Gyökeres"
- O Nené integra o onze do ano da liga polaca para o Flashscore. Como encara este tipo de distinções individuais?
- É o reconhecimento da qualidade e do trabalho ao longo da época. É difícil estar longe da minha terra, num clima diferente, numa cultura diferente... E poder chegar ao fim e ver o meu nome a ser falado em reportagens e no onze do ano é sempre gratificante.
- E o festejo no último jogo é em referência ao Viktor Gyokeres (Sporting)?
- É, é. Não escondo de ninguém que sou sportinguista e acompanho todos os jogos do Sporting. Os meus amigos sempre que marcava um golo diziam que eu não fazia o festejo do Gyökeres, só que neste jogo tinha o meu irmão na bancada - ele também é sportinguista - e lembrei-me. Primeiro faço sempre o festejo do Pauleta, dos Açores, aquele de braços abertos, e depois, neste jogo, fiz o do Gyökeres.
- Jagiellonia campeão, Sporting campeão... Ano muito positivo.
- Só faltou a Taça de Portugal (risos). Não ligo tanto como quando era mais jovem, mas foi um ano incrível. Sporting campeão, Jagiellonia campeão, saúde, família bem... Não me posso queixar.
"Futuro? Sou feliz no clube e na cidade"
- Estamos na reta final da nossa conversa e eis a pergunta que todos querem saber: o futuro passa pelo Jagiellonia?
- Vou apresentar-me em Bialystok a 19 de junho... e satisfeito. Tenho mais um ano de contrato, sou feliz no clube e na cidade. Estou ansioso por jogar as eliminatórias da Champions pelo clube, vai ser mais um marco importante na minha vida, mas não posso prometer a 100%. Até porque no futebol nunca sabemos... As coisas podem mudar. E também tenho de olhar para a minha vida e futuro.
O que posso dizer aos adeptos e a todas as pessoas que gostam do clube é que sou feliz em Bialystok e no clube, e mal posso esperar para começar a nova época. Quero fazer parte disso. Mas não posso prometer nada. O que posso dizer é que se sair, só saio se for para fora da Polónia. Na Polónia só pretendo jogar ali (no Jagiellonia), pois é um clube que me abriu as portas e me deu tudo. Já sou campeão na Polónia, não preciso de procurar isso noutro lado.
- E se o telefone tocasse com uma proposta do Sporting?
- Aí tinha de pedir perdão aos adeptos, mas tinha de ir no dia a seguir (risos).
- Se um dia escrever um livro sobre a sua carreira, que importância terá o capítulo Polónia?
- Vai ficar marcado para sempre. Posso dizer que já me sinto em casa. A Polónia é como se fosse o meu país também, pois deu-me muita coisa: sucesso na carreira profissional e a nível pessoal também estou muito bem. Vou ser eternamente agradecido e ter a Polónia para sempre no meu coração.