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As confissões do "Imperador" Adriano: "Sou obcecado por desperdiçar a minha vida"

Miguel Baeza
Adriano, durante um jogo pelo Inter de Milão
Adriano, durante um jogo pelo Inter de MilãoGIUSEPPE CACACE / AFP
O antigo internacional brasileiro e do Inter de Milão, Adriano, que já foi o melhor avançado do mundo, contou ao "The Players Tribune" a ascensão e queda da sua carreira até à sua vida atual, na favela, marcada pelo consumo constante de álcool.

Corria o ano de 2005, e toda a gente falava de um avançado brasileiro no Inter, cuja força e impacto faziam lembrar o próprio Ronaldo Fenómeno. Falávamos de Adriano (42 anos), apelidado de "O Imperador", um jovem que tinha chegado à capital da moda alguns anos antes, vindo do Rio de Janeiro.

A sua projeção era a de qualquer jogador que se preze para a Bola de Ouro, mas trazia consigo a favela e os seus maus hábitos, fator que acabou com as suas aspirações de uma só vez. O álcool, as festas e uma natureza muito depressiva acabaram por levar a melhor sobre o enorme talento que guardava nas chuteiras.

Hoje, passa os dias a beber com os amigos na Vila Cruzeiro. Em vários vídeos, aparece em farras pesadas, o que preocupa os adeptos que ainda se lembram das suas noites de glória. Por isso, Adriano procurou explicar a sua situação numa "carta para minha favela" ao The Players Tribune. Sem remorsos, limitou-se a contar um dia na vida de Adriano, salientando que, desde a morte de Mirinho, o seu pai, nada mais foi o mesmo.

O seu problema com o álcool: "Sabes o que é ser uma promessa? Sei, sim. Até uma promessa não cumprida. O maior desperdício do futebol: eu. Adoro essa palavra, "confusão". Não só pelo som, mas porque sou obcecado por desperdiçar a minha vida. Estou bem assim, num desperdício frenético. Gosto desse estigma. Não consumo drogas, como estão a tentar provar. Não sou um criminoso, mas poderia ter sido. Não gosto de discotecas. Vou sempre ao mesmo sítio no meu bairro, o quiosque do Naná. Se me quiseres conhecer, é só apareceres. Bebo dia sim, dia não. (E nos outros dias também.) Como é que uma pessoa como eu consegue beber quase todos os dias? Não gosto de dar explicações aos outros. Mas aqui vai uma. Eu bebo porque não é fácil ser uma promessa sempre em dívida. E é ainda pior na minha idade."

O pai e a sua paixão pelo futebol: "Para entrar e sair da Vila Cruzeiro, é preciso passar pelo campo. O futebol faz parte da nossa vida. O meu pai foi muito feliz aqui. Almir Leite Ribeiro. Podem chamá-lo de Mirinho, porque todos o conheciam. Um homem de grande estatura. Acham que estou a mentir? Perguntem a qualquer um. Todo sábado, a rotina dele era a mesma. Levantava-se cedo, arrumava a mochila e ia direto para o acampamento. "Anda, vamos! Estou à tua espera, meu amigo. Vamos lá. O jogo de hoje vai ser duro", dizia ele. Naquela altura, a nossa equipa amadora chamava-se Hang. Porque é que se chamava assim? Não sei bem. Quando comecei, já se chamava Hang. Joguei durante muito tempo com a camisola amarela e azul. Penso que sim. As mesmas cores do Parma. Mesmo depois de ter ido para a Europa, nunca deixei os jogos da Várzea, como são chamados no Brasil. Claro que sim. Em 2002, cheguei de férias de Itália e não fiz mais nada. Peguei um táxi no aeroporto e fui direto para o Cruzeiro. É tudo um disparate. Nem fui à casa da minha mãe antes."

O início da bebida: "Foi também nesse acampamento que aprendi a beber. O meu pai era maluco. Não gostava de ver ninguém a beber, muito menos crianças. Lembro-me da primeira vez que ele me apanhou com um copo na mão. Eu tinha 14 anos e toda a gente na nossa comunidade estava a festejar. Tinham finalmente instalado projetores no campo da Ordem e Progresso, por isso organizaram um jogo com um churrasco. Tinha muita gente, e aquela alegria que permeia tudo, típica da Várzea, sabe? O samba, as pessoas indo e vindo. Naquela época, eu não bebia. Mas quando eu vi aqueles caras todos fazendo as suas atividades, rindo, eu disse "aaaahhhh". Não tinha como. Peguei num copo de plástico e enchi-o de cerveja. Aquela espuma fina e amarga que me descia pela garganta pela primeira vez tinha um sabor especial. Um novo mundo de "prazer" estava a abrir-se para mim. A minha mãe estava na festa e viu a cena. Ficou calada, não foi? O meu pai só... Pelo amor de Deus. Quando me viu com o copo na mão, atravessou o campo com o passo apressado de quem não pode perder o autocarro. "Pára aí", gritou ele. Curto e grosso, como sempre. "Nossa", eu disse, as minhas tias e a minha mãe logo perceberam e tentaram acalmar os ânimos antes que as coisas piorassem. "Vamos lá, Mirinho, ele está com os amiguinhos dele, não vai fazer nada. Ele só está aqui a rir, a divertir-se, deixa-o em paz, o Adriano também está a crescer", disse a minha mãe. Mas não houve conversa. O velho ficou louco. Arrancou o copo da minha mão e atirou-o para a sarjeta. "Não te ensinei isso, meu filho", disse.

O golpe mais duro: "A morte do meu pai mudou a minha vida para sempre. Ainda hoje, é um problema que não consegui resolver. Tudo começou aqui, nesta comunidade que me é tão querida. A Vila Cruzeiro não é o melhor lugar do mundo. Muito pelo contrário. É um lugar muito perigoso. A vida é dura. As pessoas sofrem. Muitos amigos têm de seguir caminhos diferentes. Olhem à vossa volta e compreenderão. Se eu parasse para contar todas as pessoas que conheço que tiveram mortes violentas, estaríamos aqui a falar durante dias e dias.... Que o nosso Pai Celestial as abençoe. Podem perguntar a qualquer um aqui. Os que têm oportunidade acabam por ir viver para outro lado. Diabos, o meu pai levou um tiro na cabeça numa festa em Cruzeiro. Uma bala perdida. Ele não tinha nada a ver com a desordem. A bala penetrou na testa e ficou alojada na nuca. Os médicos não tinham forma de a extrair. Depois disso, a vida da minha família nunca mais foi a mesma. O meu pai começou a ter ataques epilépticos frequentes. Já alguma vez viram alguém a ter um ataque epilético à vossa frente? Não vais querer ver isso, irmão. É assustador. Eu tinha 10 anos quando o meu pai foi baleado. Cresci a viver com os ataques dele. Mirinho nunca mais conseguiu trabalhar. A responsabilidade de administrar a casa caiu toda nos ombros da minha mãe. E o que ela fez? Deu um jeito. Contava com a ajuda dos vizinhos. A nossa família também ajudava. Aqui, toda a gente vive com poucos recursos. Ninguém tem mais do que os outros. Mas a minha mãe não estava sozinha. Havia sempre alguém para a ajudar."