Entrevista Flashscore a Sahin: As dificuldades com Mourinho e a contratação de Nakajima ao FC Porto
Sahin passou a ser treinador depois de sentir que os seus melhores dias de jogador tinham ficado para trás. Está agora na sua terceira época como técnico principal do Antalyaspor. Reformou-se em outubro de 2021, vestindo também a camisola da sua atual equipa, com apenas 33 anos.
Durante uma conversa de 45 minutos com o Flashscore, Sahin não se coibiu de revelar o que correu mal no Real Madrid e como aceitou a abordagem dura de José Mourinho em relação a ele anos depois de deixar o Bernabéu.
O antigo médio turco segura uma grande chávena de café e sorri o tempo todo, parecendo tão descontraído como se estivesse no átrio de um estádio com amigos após uma vitória crucial. Inspirado por nomes como Jurgen Klopp e Thomas Tuchel, o jovem treinador também elogia a revolução tática liderada por Roberto De Zerbi no Brighton e gostaria de ter experimentado em primeira mão a mente magistral de Pep Guardiola.
Sahin foi para Harvard para completar a sua formação fora do futebol e para África para reaprender a ser feliz. Tudo isto e muito mais é abordado na entrevista que se segue.
- Tem apenas 35 anos e há dois que deixou de jogar. A reforma não chegou demasiado cedo?
- Toda a gente me pergunta isso (risos). Tive uma carreira de 17 anos como jogador. Comecei a jogar profissionalmente quando tinha apenas 16 anos. Vivi todos os momentos, bons ou maus, de uma forma muito intensa. Depois, surgiu a proposta do Antalyaspor. Acordo todas as manhãs e estou a viver o meu sonho. Nem sequer tenho tempo para sentir saudades de jogar futebol.
- Joga mais alguma coisa?
- (risos) No meu primeiro ano, fizemos uma época muito boa. Falei com o presidente e disse-lhe: 'Olha, se queres surpreender-nos, constrói-nos um campo de padel'. E agora temos um campo de padel como bónus pela grande época que fizemos. Aprendi a jogar em Espanha e adoro.
- Não lhe apeteceu fazer uma pausa no futebol?
- Nunca disse a mim próprio: 'Quando acabar de jogar, vou para a praia durante um ano. Ou para Nova Iorque'. Em 2015, tive uma lesão muito grave, estive de fora durante um ano. O médico disse-me que havia a possibilidade de não voltar a jogar. Comecei a pensar no que viria a seguir, interessei-me pelo que poderia fazer depois do futebol. Fui para a universidade, para Harvard e tentei observar o que se passava à minha volta. Comecei a tomar notas.
- Então, também se educou fora do futebol...
- Queria fazê-lo, sim. Viajei para África para conhecer pessoas, para ver como se vivia lá. Queria dar mais valor à minha vida. Não era feliz. Tenho dois filhos extraordinários, a minha família ajudou-me muito. Tinha de continuar a trabalhar para lhes dar também um exemplo a seguir. Falei com os treinadores, com os jogadores, para compreender cada vez mais.
- Tem aqui, nas paredes do seu gabinete, algumas citações de treinadores famosos. O que é que elas significam para si?
Uma delas diz: 'Nunca te esqueças que estás a trabalhar com pessoas e não apenas com jogadores de futebol'. Optei por emoldurá-las e pendurá-las na parede. Por vezes, temos tendência a esquecer o lado humano das coisas e é muito importante não o fazer. Não sou apenas um treinador, sou um homem que trabalha como tal. É preciso ter sempre isso em mente e abordar o lado humano dos jogadores, que são muito mais do que o seu futebol.
- Jurgen Klopp é a figura mais importante em termos de treino?
- Tive grandes treinadores, para ser sincero. Penso que trabalhei com alguns dos melhores do mundo. Gostava de ter trabalhado também com Guardiola, mas isso nunca aconteceu. Trabalhei com José Mourinho, Guus Hiddink, Fatih Terim e Thomas Tuchel. Mas o meu período mais longo foi com Klopp. Ele e Bert van Marwijk são muito, muito especiais para mim. Bert promoveu-me à equipa principal do Dortmund quando eu tinha apenas 16 anos.
- Como é que Klopp o fazia sentir?
- Criou um ambiente em que todos se sentem apreciados. Ele quer que todos se sintam responsáveis, apreciados e necessários. Se eu for para o meu escritório de manhã e não disser 'olá, obrigado' à senhora que me limpa o escritório e se não falar um pouco com ela, acho que não faz sentido que eu ganhe no fim de semana quando a equipa jogar. O equilíbrio entre ser um profissional de futebol e ser uma pessoa real é muito difícil de conseguir. Nunca devo esquecer o lado humano das coisas.
- Quem é o Sahin como treinador? Mais Klopp do que qualquer outro?
- Tento ser eu próprio. Sou novo neste trabalho. Estou a trabalhar há apenas algumas dezenas de meses, mas parece que são dezenas de anos (risos). Quero criar as minhas próprias ideias sobre futebol, mas baseio-me no que aprendi com os treinadores que tive. Tento combinar as coisas, mas mantenho-me sempre fiel à ideia de ser eu próprio. Estou a falar contigo agora, mas não sei o que se passa no teu cérebro. Também não consegues entrar no meu. O mesmo se passa com o treino. É certo que gosto de um estilo de futebol, mas é o meu próprio jogo que gosto de jogar. Não gosto de copiar, tenho as minhas próprias ideias. Mas também gosto do estilo de Tuchel, acho que uma mistura com Klopp é o melhor cocktail para mim.
- O que é que o treinador de Nuri Sahin diria ao jogador e o que é que o jogador diria ao treinador?
- Essa é uma pergunta difícil! (risos). O treinador diria ao jogador que ele está muito bem no jogo posicional. Sempre fui um jogador que queria controlar o jogo, ter a bola e marcar o ritmo. Por vezes, gostava de ter alguém como eu na equipa, mas tenho grandes profissionais em campo, também. Quanto à segunda parte da pergunta... Sempre desejei ter um treinador como estou a tentar ser. Cometo os meus erros, claro, e há quem não esteja contente comigo, mas estou a dar o meu melhor.
- Alguma vez se refere ao jogador Nuri Sahin quando treina?
- Esse é o maior erro que cometemos enquanto treinadores. Eu não era o jogador mais rápido, mas agora tenho rapazes muito rápidos na minha equipa, por exemplo. Não me posso comparar com os outros. Se quero ser treinador, então o jogador Nuri Sahin não pode de existir na minha cabeça. Uma vez tive uma conversa com Patrick Vieira, que era um médio de classe mundial e ganhou tudo como jogador. Ele disse-me: 'Esquece o jogador' O jogador está acabado. Nuri, o jogador, já não existe'. Se eu tiver isso em mente, tenho hipóteses de me tornar um melhor treinador.
- Como é que aprende?
- Sou um bebé a treinar, ainda mal aprendi a andar. E quando se aprende a falar, é bom ter à nossa volta pessoas que já andam. Tento pôr em prática tudo o que aprendo. Não copio, mas algumas das pessoas com quem estou em contacto já viveram tudo. Falo com muitos treinadores e também aprendo muito com os meus adjuntos. Fui ver o Luciano Spalletti quando ele estava no Nápoles, tivemos uma conversa muito agradável sobre a forma como ele vê o futebol. Assisti a uma sessão de treino e foi impressionante. Durou 30 minutos, mas ele estava tão presente em tudo, estava a ditar tudo. Ele era o chefe, sentia-se a presença dele.
- Continua em contacto com José Mourinho?
- Sim, falamos. Eu estava interessado num jogador da Roma e tivemos uma conversa rápida.
- Teve uma relação complicada no Real Madrid?
- Em Madrid, vivi o ano mais difícil da minha carreira. Estava lesionado, não joguei muito. Tinha super-estrelas à minha volta e também um treinador super-estrela. O estilo era completamente diferente do de Jurgen Klopp. Passar do Jurgen para o José Mourinho... São completamente diferentes. Tive dificuldades. Mas no dia em que saí tive uma conversa com Mourinho e o que eu adoro neste tipo é o facto de ele ser muito honesto. Ele bate-nos na cara: boom! Se fores bom, és bom. Se fores mau, és mau. Eu era jovem, estava a lutar. Perguntei-me: 'O que é que ele está a fazer? Porque é que ele é assim?' Mas ele era honesto. Quando me sento aqui como treinador e penso no tempo que passei com José Mourinho, não consigo dizer nada de negativo.
Sente que ele mudou ao longo dos anos?
- Vi o documentário do ano dele no Tottenham e acho que não. Aprendi muitas coisas com Mourinho. Ele é um vencedor. Faz tudo para ganhar.
- O Real Madrid surgiu demasiado cedo para si enquanto jogador?
- O meu sonho de criança sempre foi jogar no Real Madrid. Em termos de jogo, podia ter jogado no Real Madrid, sem dúvida. Na altura, eu era bom. Mas em Madrid, não basta ser um bom jogador. É preciso ser forte mentalmente. O comboio do Real Madrid nunca pára. E talvez na altura, com todas as lesões, eu não estivesse mentalmente preparado. Percebes o que quero dizer? Lutei contra as lesões. E depois, tive de lidar com o facto de não jogar. Eu era impaciente. Quando olho para trás, acho que podia ter sido um pouco mais paciente e devia ter dado mais valor ao facto de ser jogador do Real Madrid. As pessoas costumam dizer: 'Estás no Real Madrid, deves estar feliz'. Eu pensava: 'Quero jogar! Quero jogar! Quero jogar'. Se calhar, nesse aspeto mental, eu não estava preparado para o Real Madrid."
- Jude Bellingham seguiu um caminho semelhante e mudou-se para Real Madrid vindo do Dortmund ainda muito jovem...
- Esse rapaz está mentalmente tão pronto. Ele está pronto! (Risos) Falei com muitos amigos em Dortmund e disseram-me que ele era muito maduro. Era como ter um miúdo de 25 anos no balneário, não um adolescente. Eu nunca estive tão preparado como ele.
- Como é que o Dortmund consegue ter tantos talentos tão rapidamente?
- Todos os clubes podem contratar jovens jogadores. Mas o que acontece com o Dortmund é que eles jogam com eles. Contratar é fácil. O que interessa é o valor de transferência e convencer os jogadores com um bom salário. Além disso, podemos mentir-lhes, dizendo-lhes que vão jogar. Mas quando se é do Dortmund, pode-se dizer: 'Olha, Nuri Sahin, Gotze, Lewandowski, depois, mais tarde, Pulisic, Bellingham, Sancho, Dembele'. No Dortmund jogam com os jovens. Isso é muito importante. Não há muitos clubes de topo que façam isso. Também gostaria de contratar jovens jogadores para o Antalyaspor, mas não temos um grande palco. O nosso campeonato não é visto, não estamos a competir na Europa, nem a jogar na Liga dos Campeões. O Dortmund está lá todos os anos e tem 80.000 adeptos em todos os seus jogos. O jogador sente-se como: 'Ena, é tão bom estar aqui!'.
- Qual é a história que está a tentar construir no Antalyaspor?
- Somos um peixe pequeno num oceano grande. Somos um clube ambicioso, mas não somos o peixe grande. Nem mesmo o peixe grande da Turquia. Queremos dar pequenos passos, passos de bebé. Tenho uma direção que me apoia, que me deu a oportunidade de estar aqui. Quebrámos alguns recordes na minha primeira época, agora queremos manter o equilíbrio no plantel. A cidade, o clube - voam quando se ganha e ficam em baixo quando se perde. Precisamos de equilibrar isso e de criar uma cultura. Esta é a minha maior missão aqui, em Antalya. Estamos a dar pequenos passos.
- Tem tempo?
- Estamos a tentar construir uma base para a nossa casa. Depois, poderemos concentrar-nos no passo seguinte. Não se pode construir sem alicerces. É preciso tempo e eu tenho esse tempo. Quando assinei, fiz um contrato de cinco anos. O Antalyaspor é o melhor sítio onde posso estar nesta altura. Quero estar aqui. Espero que consigamos alcançar o que desejamos. No futebol, é claro, nunca se sabe. No dia em que me tornei treinador, telefonei a Jurgen Klopp e ele disse-me: 'Para que saibas, um dia vais ser despedido'. Respondi-lhe: 'Dizes isso mas nunca te aconteceu' (sorri).
- Passou diretamente de jogador a treinador. Foi sempre assim para si ou imaginou um caminho diferente?
- Nunca quis ir para a praia durante um ano ou mudar-me para Nova Iorque durante alguns meses depois de terminar a minha carreira de jogador. Estou a fazer o que gosto de fazer.
- É um cromo dos dados analíticos?
- Os dados são muito importantes. Estou a trabalhar com uma empresa na Alemanha, analisamos todos os adversários e todas as potenciais contratações. Além disso, no futebol, o olhar é muito importante. Podemos ter os melhores dados disponíveis, mas é obrigatório conversar com os jogadores e senti-los. Há muitos jogadores talentosos em todo o lado, tenho muitos, muitos contactos em todo o mundo. Quando se vai atrás de alguém, é preciso saber de onde ele vem, é preciso conhecer o seu contexto cultural.
- Pode dar-nos um exemplo?
- Contratámos o Shoya Nakajima, o antigo jogador do FC Porto. Já tinha falado com ele antes, mas ele nunca falou, sabe? Foi muito educado, muito humilde, muito simpático, mas foi só isso. Desligámos depois da nossa conversa no FaceTime. É possível que haja dúvidas quanto à sua capacidade de se adaptar e optar por outro jogador, mas joguei com o Kagawa. Como é que ele era? Quando chegou ao Dortmund, nunca falava. Depois, aprendeu, deu passos connosco. Por isso, também é preciso compreender a cultura. Isso é muito importante para mim. Se eu tivesse olhado apenas para os dados, teria dito que Nakajima é um bom jogador e pronto. Acabámos por decidir contratá-lo.
- Alguma vez recusou jogadores depois destas conversas pessoais?
- Tive uma conversa com um jogador de classe mundial que poderíamos ter contratado. Se dissermos o nome dele, a reação é imediata: 'Tragam-me este gajo'. Falámos durante três minutos. Ao fim de três minutos, disse-lhe: 'Fica bem! Tudo de bom, desejo-te o melhor para a tua carreira'. Se eu contasse isto ao meu presidente, ele provavelmente perguntaria: 'Estás louco?'. Mas a breve conversa que tivemos foi suficiente para me convencer de que não é uma boa opção para ele e para o nosso clube.
- É sempre um telefonema antes de tomar uma decisão ou gosta de conhecer os jogadores pessoalmente?
"Se um jogador está no Japão, talvez eu queira ir ao Japão e sentar-me à frente dele, como estamos a fazer agora. Uma chamada telefónica não é a mesma coisa, nem mesmo os jornalistas gostam de entrevistar pessoas por telefone, certo? (sorri). Quando conhecemos as pessoas pessoalmente, vemos como se comportam, como dizem as coisas, como nos cumprimentam. Mais uma vez, é muito, muito importante não perder o seu lado humano como treinador. É muito difícil, mas nunca se deve abandonar esse pensamento.
- Que jogador gostaria de treinar?
"Ah, essa é difícil. Digamos Frenkie de Jong. Eu adoro-o. É brilhante de ver e gosto muito dele. Outro seria o Alexis Mac Allister. Ele joga muito com o cérebro. Claro, o (Erling) Haaland, o (Kylian) Mbappe... Mas isso significaria que tenho de chegar ao nível deles, e não que eles venham ter comigo (risos).
- Está a observar alguma equipa ou treinador em particular para se inspirar?
- Falei com o De Zerbi, é um treinador fantástico. Vejo os jogos dele e a minha equipa analisa o Brighton todas as semanas. Tiramos uns minutos e vemos tudo o que eles fazem. Quero aprender o mais possível. Gosto do Manchester City, gosto do Brighton. Também costumava seguir Gasperini na Atalanta e Conte no Inter. Gostava do Nagelsmann no Hoffenheim e no Leipzig, queria ver como ele encontrava formas de ganhar jogos.
- É fã do VAR?
- Gosto, mas acho que devia ser mais como no ténis, onde se pode contestar as decisões. O VAR ajuda o futebol, mas os jogos param durante demasiado tempo e com demasiada frequência. Não gosto de esperar. Mais uma vez, o VAR ajuda o futebol. Mas corta algumas das emoções. E é por isso que gostamos de futebol, certo? Ele traz à tona diferentes emoções. O nascimento de um filho, o amor pelo nosso parceiro, isso é outra coisa. Mas o futebol tem o seu próprio conjunto de emoções que só o futebol pode gerar. As emoções têm de ficar lá, vamos manter a natureza do futebol.