Exclusivo com Willie Kirk: "Sei que é difícil para um clube contratar-me agora"
Tem um historial comprovado no desenvolvimento de talentos e na criação de equipas competitivas na Superliga Feminina inglesa (WSL). A sua dedicação ao desporto e a sua capacidade de inspirar as jogadoras fizeram dele uma figura proeminente no futebol feminino.
Numa entrevista exclusiva à Tribalfootball, parceira do Flashscore, discutimos vários tópicos relacionados com a sua carreira, as equipas que dirigiu e muito mais.
O treinador escocês esteve à frente de diferentes equipas, tanto no futebol masculino como no feminino, incluindo o Hibernian, o Preston Athletic, o Bristol City, o Manchester United, o Everton e o Leicester. Refletindo sobre estas experiências, Kirk partilhou as suas ideias sobre os pontos altos e os desafios da sua carreira:
"É uma pergunta muito boa e é difícil para mim responder-lhe. A melhor experiência que considero é a minha passagem pelo Everton, todo o percurso até lá e a forma como chegámos à final da Taça de Inglaterra. Foi um percurso único para mim e para os jogadores, porque é raro uma equipa fora dos quatro primeiros lugares conseguir o que conseguimos", considerou.
"Evitar a despromoção com o Leicester também foi especial porque o défice de pontos que tínhamos em relação às outras equipas era enorme e toda a gente dizia que íamos ser despromovidos. Estes dois momentos são provavelmente os mais importantes da minha carreira de treinador até à data", acrescenta.
"O período mais difícil foi perder o emprego no Everton. Eu próprio criei essa pressão para colocar a equipa na metade superior da tabela, mas depois o 5.º lugar e a final da Taça de Inglaterra tornaram as expectativas um pouco irrealistas. Fui despedido por ter perdido três jogos contra o Chelsea, o Arsenal e o Manchester City nos primeiros cinco jogos da época. Esse foi o momento mais difícil para mim, porque sabia que, apesar dessas derrotas, iríamos atingir os nossos objetivos, e isso foi muito frustrante para mim", completou.
Diferenças entre masculino e feminino
Kirk trabalhou tanto no futebol masculino como no feminino e falou sobre as diferenças entre os dois.
"A principal diferença que encontrei é que quando se diz a um homem para fazer um exercício, ele fá-lo e mais nada. Mas se dissermos a uma mulher para fazer um exercício, ela vai perguntar-nos porquê antes de o fazer, e isso ajuda-nos muito como treinadores, porque nos torna melhores", defendeu.
"Penso que as coisas estão a mudar agora porque a sociedade mudou, as pessoas mudaram e os jovens jogadores, sejam homens ou mulheres, estão mais interessados em perguntar porquê. Comparar o futebol masculino com o feminino não é justo, porque o futebol masculino está estabelecido há muitos anos com um investimento significativo, enquanto o futebol feminino só recentemente começou a ganhar importância e investimento por parte da Federação Inglesa de Futebol e de outros organismos", anotou.
Como alguém que conhece bem o futebol feminino, Kirk partilhou a sua opinião sobre o recente investimento no futebol feminino e os principais desafios para o seu futuro.
"Os investimentos que têm sido feitos são fantásticos e cada vez mais pessoas estão a compreender a importância e a beleza do futebol feminino. As pessoas também estão a ver os benefícios a longo prazo de investir agora no futebol feminino. O principal desafio para o futuro do futebol feminino, na minha opinião, é o racismo e o sexismo que existem atualmente no mundo do futebol em relação às mulheres", explicou.
"Penso que vai demorar muito tempo até conseguirmos eliminá-los completamente. É um processo longo que requer muita paciência, mas penso que temos de abordar e resolver o problema das redes sociais, do ódio e do sexismo que o acompanham no futebol feminino", completou.
Perspetivas sobre o futuro
Como treinador que já trabalhou tanto no futebol masculino como no feminino, Kirk também partilhou o seu desejo e planos para o futuro.
"O futebol feminino foi a melhor experiência para mim, mas penso que isso se deve ao facto de ter trabalhado ao mais alto nível e de se poder ter um maior impacto no futebol feminino, como foi o meu caso. Além disso, devido ao que aconteceu no Leicester, sinto que tenho um trabalho inacabado no futebol feminino, por isso quero continuar a trabalhar lá", revelou.
Como alguém que conhece profundamente o futebol praticado por mulheres, Kirk não tem dúvidas em apontar um nome como estrela de futuro.
"Para mim, uma futura estrela é Denny Draper. Tem 17 anos, joga no Leicester, e penso que vai ser uma superestrela e jogar em qualquer grande clube do mundo. Ela estreou-se com 16 anos, sob o meu comando, quando eu estava no Leicester", disse.
Relação com jogadora: "Toda a gente queria falar sobre o assunto"
A última experiência de Kirk foi no Leicester, que terminou com uma final difícil, com o clube a despedi-lo depois de a sua relação com uma das suas jogadoras se ter tornado pública. Kirk falou sobre esse período difícil e sobre o tratamento que recebeu dos meios de comunicação britânicos.
"Não tenho qualquer problema com a decisão do clube e penso que toda a gente podia ter lidado melhor com a situação. Podíamos ter feito menos barulho e mantido a investigação privada. Penso que a forma como foi tratada tornou-a muito pública", defendeu.
"Foi um choque para mim, toda a gente queria falar sobre o assunto. Penso que os meios de comunicação britânicos me trataram com frustração porque têm muitos nomes de pessoas que fizeram coisas semelhantes e não conseguiram prová-las. Se falarmos com os jornalistas britânicos, eles têm uma lista de 20 a 30 nomes, mas descarregaram a sua frustração em mim porque eu aceitei e disse a verdade, tal como a jogadora", prosseguiu.
"Foi um momento muito difícil para mim. Este incidente dificulta muito o meu regresso ao trabalho e, se o fizer, vai desencadear muita atividade nas redes sociais. Sei que é difícil para um clube contratar-me agora", rematou.
Nesse sentido, Kirk acredita que o seu futuro passa pelo estrangeiro: "Mesmo quando as coisas estavam a correr bem, continuava a querer trabalhar no estrangeiro. Estou aberto a trabalhar no estrangeiro para experimentar uma nova experiência de vida. Para ser sincero, acho que a WSL não me vai dar outro emprego depois do que aconteceu, por isso vou ter de ir para outro lado para reconstruir a minha reputação, e isso é bom porque sempre quis trabalhar no estrangeiro".
Opinião sobre Gareth Southgate e o futuro de Inglaterra
Willie Kirk também tem uma visão clara sobre o futuro da seleção inglesa masculina e do seu antigo treinador Gareth Southgate.
"Penso que as críticas que Gareth recebeu foram terríveis em termos da forma como foi tratado. Os adeptos e os meios de comunicação ingleses são duros, porque as suas expetativas são muito elevadas em todas as competições. Para mim, Southgate fez um excelente trabalho, deu o seu melhor e, graças ao seu trabalho, o nível da seleção inglesa é muito mais elevado do que quando assumiu o cargo", elogiou.
"Deixou a equipa em boas mãos para o futuro, porque agora a Inglaterra tem muitos jogadores jovens e talentosos na equipa", sustentou.