Reportagem: Balneário do Beijing Guoan mistura “Olá” e “Nihao” com quase 20 lusófonos
“Fala-se tanto português no clube que sinto-me como se ainda estivesse em Portugal”, explicou à agência Lusa Guga, médio de 26 anos que passou pelo Benfica, Famalicão e Rio Ave, antes de rumar à China, em fevereiro, confessando: “Para além dos portugueses, tenho muitos colegas chineses que falam português e que me orientam em muita coisa. Se não tivesse essa orientação, a adaptação teria sido um difícil”.
Criada em 1992, o ano em que a China autorizou a profissionalização do futebol, a principal equipa de Pequim, que soma uma vitória e um empate nas duas primeiras jornadas, conta com 10 jogadores chineses que passaram por clubes portugueses, parte de protocolos que visam apoiar a formação de futebolistas da China.
O mais conhecido é Yu Dabao, internacional chinês que é o atual capitão de equipa e que jogou no Benfica, Desportivo das Aves, Olivais e Moscavide e Mafra, antes de regressar à China.
O clube é também treinado por um português: Ricardo Soares, que assumiu o comando técnico no ano passado, junto com mais cinco compatriotas.
Em entrevista à Lusa, num hotel situado nas proximidades do Estádio dos Trabalhadores - um ícone da arquitetura socialista, erguido em 1959 para celebrar o 10.º aniversário da fundação da China comunista, e recentemente renovado -, o ex-treinador do Estoril afirmou que o Beijing “tem forçosamente de lutar pelo título", destacando as "pessoas de valor humano excelente" que compõem a estrutura do clube e os adeptos, "muito apaixonados e fervorosos".
“O clube tem muita capacidade para dar um salto qualitativo e voltar a ser o que era”, frisou o técnico, que vive na China a sua segunda experiência no estrangeiro, após ter passado pelo Al-Ahly, do Egito, em 2022, e que em Portugal orientou ainda Chaves, Moreirense, Gil Vicente, entre outros.
Para cumprir aquela missão, Ricardo Soares conta com mais dois jogadores que falam português: Mamadou Traoré, médio defensivo natural do Mali, que passou pelo Marítimo, Torreense e Estrela da Amadora, e Fábio Abreu, avançado luso-angolano que em Portugal jogou no Marítimo e no Moreirense.
Abreu chegou ao país asiático após duas épocas na Arábia Saudita e uma nos Emirados Árabes Unidos.
"Eu gosto de experimentar coisas novas. Não tenho medo, gosto de arriscar", frisou à Lusa.
O jogador garantiu vir para a China com a "mente aberta". "Quando vamos para fora não podemos pensar 'este país tem que ser igual ao nosso'", sublinhou.
Apesar de ter encontrado no Beijing Guoan um ambiente propício a falar português, Abreu disse que vai certamente esforçar-se "para aprender chinês”. “Não quero ficar na minha bolha", garantiu.
O futebol na China está a reerguer-se após três anos da política de zero casos de covid-19, que ditou o encerramento das fronteiras e paralisou a atividade económica.
Dezenas de clubes chineses entraram em falência durante aquele período, expondo a insustentabilidade dos gastos que nas épocas anteriores à pandemia abalaram o mercado de transferências: entre 2016 e 2019, estrelas como Alex Teixeira, Hulk, Carlos Tévez ou Ricardo Goulart rumaram à China, em contratações avaliadas em dezenas de milhões de euros e beneficiando de salários sem precedentes.
O campeonato chinês, entretanto, “organizou-se” e “estruturou-se”, descreveu Pedro Neto, agente português que desde 2010 negoceia a transferência de jogadores para o país asiático.
“Os nomes dos jogadores contratados são menos sonantes, mas a competitividade é maior”, afirmou à Lusa.
Neste contexto, o mercado português tornou-se “apetecível” para os chineses, que reconhecem nos jogadores oriundos das competições portuguesas “qualidade, boa formação, competência e educação de jogo”.
“Tenho muitos pedidos para o mercado português”, admitiu o intermediário, justificando: “Os chineses consideram que o jogador que joga em Portugal, seja brasileiro, português ou de outras nacionalidades, tem mais apetência para jogar onde quer que seja”.