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Entrevista a Pedro Soares Gonçalves: "Rivalizamos com clubes que preferiam que não nos qualificássemos"

Angola vai estar presente na CAN
Angola vai estar presente na CANFAF
Passou por Amora, Barreirense e Sporting, onde esteve mais de uma década, mas é em Angola que Pedro Soares Gonçalves se prepara para o maior desafio da carreira. Depois de ter trabalho com vários talentos em Alcochete, lançou as seleções jovens angolanas, num desafio superado com sucesso, que o levou até à seleção principal. Poucos meses depois, prepara-se para participar pela primeira vez na Taça das Nações Africanas (CAN) para tentar elevar o nome de Angola pelo futebol africano.

Em África, o arranque de 2024 é marcado pelo início da fase final da CAN, onde estão vários países com ligação a Portugal. Uma das seleções presentes na fase decisiva da competição é Angola, que é treinada pelo português Pedro Soares Gonçalves.

Em entrevista ao Flashscore, o selecionador angolano fala do seu percurso, das dificuldades que encontrou em Angola e projeta o futuro do país na prova e no futebol mundial.

O grupo de Angola na CAN
O grupo de Angola na CANFlashscore

- Amora, Barreirense, 15 anos de Sporting e está desde 2015 em Angola. Como tem sido este percurso profissional?

- Comecei a treinar muito cedo. Não era propriamente virtuoso quando era jogador de futebol e quando tive oportunidade de seguir os estudos académicos na Faculdade de Motricidade Humana foi-me dada a oportunidade de começar a treinar uma equipa, nos iniciados do Amora. Passei para o Cova da Piedade, estive lá três anos muito profícuos que me permitiram desenvolver um conjunto de competências que o Sporting, na altura estando a passar uma fase de transição das velhas guardas e referências da formação nas camadas mais jovens, entendeu que poderia estar ali um jovem com capacidade para integrar os seus quadros. Em 1999, entrei para o scouting do Sporting, liderado pelo Aurélio Pereira, e, passado um ano e meio, tive a oportunidade de encetar o trabalho com as camadas jovens, na altura com os sub-10. Passei 16 anos na Academia Sporting, até que, em 2015, surgiu o convite do 1.º de Agosto, em Angola, para iniciar a ideia de uma academia de referência em África e isso seduziu-me.

Pus fim à ligação profissional com o Sporting, que já tinha 16 anos, e fui para Angola, completamente à aventura, com a missão de alavancar a academia, projetar os jovens talentos angolanos para conseguirem singrar no futebol e que Angola tirasse os dividendos desse desenvolvimento. Posto isto, ao fim de ando três épocas, estava numa de regressar a Portugal, mas eis que surge a proposta de fazer o início do percurso da seleção sub-17 ao Campeonato do Mundo. As coisas correram bem, fomos campeões da África Austral e isso abriu-nos portas para participar no Campeonato Africano sub-17. Ao mesmo tempo, estava a liderar o processo da equipa de sub-15 e sub-16 que participou nos jogos da CPLP em São Tomé e também tivemos sucesso. Com essas duas conquistas, aquilo que de repente era quase o final de ciclo, foi a abertura de um novo. A Federação propôs que fosse o coordenador e selecionador das seleções jovens, desde os sub-17 aos sub-23. Foi um desafio aliciante. Tivemos a qualificação inédita ao Mundial no Brasil, em 2019. A um mês de ir ao Campeonato do Mundo, surge a possibilidade de agarrar a seleção A. Comecei em 2019, temos passado um conjunto de tormentas, mas temos vindo a consolidar um conjunto de processos que agora nos permite estar presente nas grandes competições continentais, como o CHAN (igual à CAN, mas só com jogadores que atuem no continente) e agora vamos estar na fase final da CAN.

Pedro Gonçalves é o selecionador angolano
Pedro Gonçalves é o selecionador angolanoFAF

- No Sporting, passaram pelas suas mãos jogadores como o Rafael Leão, Eric Dier, João Mário, Bruma, Daniel Bragança. Olhando para estes nomes e passado, sente-se um homem feliz de os ver jogar ao mais alto nível?

- Muito. A Academia do Sporting foi um marco na minha carreira profissional. Tive o privilégio de privar com grandes profissionais da área. Na altura tínhamos o privilégio de recrutar grandes talentos nacionais e também alguns talentos internacionais. Foi um privilégio para mim, tive a oportunidade de trabalhar com esses jovens que são jogadores de elite mundial. A geração de 1999 foi a minha última equipa no Sporting. Acabo por fechar com chave de ouro com muitos jovens talentosos que estão a dar cartas no futebol mundial. Rúben Vinagre, Thierry Correia, Maximiano, Miguel Luís, Daniel Bragança, entre outros. Daniel Podence, Matheus Pereira, que é um grande jogador e podia ter atingido um outro apogeu. Quando os vejo jogar ao mais alto nível, regozijo-me por também ter dado o meu pequeno contributo.

- O mais mediático nesta altura é o Rafael Leão. Joga no AC Milan, é internacional por Portugal, vai estar no Europeu. O sucesso dele surpreende-o?

- Desde cedo integrou as camadas jovens do Sporting. Começou no Amora, mas com 9 ou 10 anos integrou as camadas jovens do Sporting e desde cedo que a estrutura detetou nele um talento fora do comum. A questão passou pela personalidade que foi desenvolvendo. Teve questões de crescimento que se passam na vida de todos os jovens e que marcaram um pouco o desviar daquilo que podia ter sido, ou não, a carreira que acabou por levar. Em determinada altura, esteve para sair da Academia do Sporting porque não estava a levar a sequência que todos nós desejávamos. Na altura, fizemos questão de procurar moldar e dar a última chance ao Rafael Leão para que ele seguisse o caminho certo. Dar-lhe elementos e pistas para seguir esse caminho. Nessa época, passados três ou quatro meses, teve a primeira internacionalização nos sub-16 de Portugal e começou a acreditar que essa mudança de comportamento podia abrir portas para uma carreira promissora. Começou a acreditar no talento que tinha e que, alicerçando isso em trabalho e determinação, iria ter sucesso. Depois, os meus colegas que trabalharam com ele, acreditaram na resposta dele e sem surpresa apareceu na equipa principal e depois na seleção de Portugal. É um dos maiores talentos da atualidade no futebol mundial.

Pedro Gonçalves trabalhou com Rafael Leão
Pedro Gonçalves trabalhou com Rafael LeãoProfimedia

- Isso deixa-o orgulhoso.

- Sim. É um Palanca, tem também ligação a Angola, apesar de ter nascido em Portugal. Ele segue os Palancas Negras e vai-me perguntando sobre eles. Em determinada altura em que não estava a ser chamado, ainda tentei puxar este lado angolano do Rafael Leão, mas o percurso e tudo aquilo que fez por Portugal levaram a que fosse uma das referências do futebol português e da seleção. É muito seguido em Angola por essas raízes angolanas.

"Todos juntos vamos alavancar Angola para atingir o topo do futebol africano"

- A questão das duplas nacionalidades e do interesse dos jogadores que podem optar pela seleção angolana, mas optam por outras seleções, é um problema para si enquanto selecionador?

- Esse foi o ponto de partida quando pego na seleção principal. Depois do Mundial sub-17, meti mãos à obra na seleção principal e apontei duas vertentes ao nosso desenvolvimento: potenciar os jovens talentos emergentes do futebol angolano, que conhecia bem e que começam a aparecer no futebol europeu, mas também agregar as mais-valias da diáspora angolana. Na altura, poucos estavam determinados e comprometidos em representar Angola. Portugal é o país de referência da diáspora angolana, mas também na Alemanha, França, Inglaterra, Bélgica, Suíça e Países Baixos. Se estivermos dotados de mais meios e recursos, tudo isto se torna mais rápido e mais fácil de acontecer. Os nossos recursos têm sido exíguos, mas isso não nos leva a resignar. Tenho levado a cabo esse trabalho e já conseguimos comprometer alguns jogadores connosco. Há casos como o Hélder Costa, M'bala Nzola e outros que não estão a um nível desportivo tão alto, mas que se comprometeram connosco e quiseram juntar-se a nós. É o caminho que temos de levar. Se formos a olhar para o panorama africano, 95% dos jogadores militam na diáspora, a maioria na Europa ou países emergentes no Médio Oriente. São as alavancas para crescer desportivamente.

Seleção angolana prepara participação na CAN
Seleção angolana prepara participação na CANFAF

- Tem outro problema, suponho. Muitas vezes, clubes de maior nome resistem à contratação do futebolista africano devido ao facto de a CAN se realizar em alturas em que os campeonatos europeus estão numa fase importante. É outro problema?

- É, sem dúvida. A CAN 2019 foi realizada em junho-julho. A edição anterior voltou em janeiro, esta também. Tem um lado bom e um lado mau. O lado mau é esse. Acabamos por rivalizar com os clubes, que nos dizem que preferiam que não nos qualificássemos, mas acaba por ser um momento em que, a nível de seleções, o campeonato africano não tem de dividir atenções com mais ninguém. Se fosse em junho, dividia com a Copa América ou com o Europeu. Acaba por ser um momento em que muitos campeonatos estão parados, no caso no norte da Europa, e ganhamos audiências com um grande retorno. É muito importante para a CAN quando as grandes referências mundiais fazem questão de estar presentes, como o Mané, Haller, Salah, Aubameyang, entre outros. É um grande retorno para todos. O que passamos aos jogadores é que é sempre um marco na carreira desportiva de um jogador estar nas grandes competições continentais ou mundiais. É uma alavanca nas suas carreiras e uma oportunidade que não podem rejeitar. Este é o nosso repto. Há situações que vamos ter de dirimir com os jogadores e com os clubes, mas é muito importante para África e para Angola que todos estejam disponíveis.

CAN vai ser disputada em janeiro
CAN vai ser disputada em janeiroFlashscore c/FAF

- É o segundo treinador da história da seleção com mais jogos e com mais vitórias - 15 em 37 jogos. Nos últimos 25 jogos, Angola apenas perdeu três partidas, marcou 34 golos e sofreu 18. Abre-lhe boas perspetivas para a CAN, onde vai jogar com Argélia, Mauritânia e Burquina Faso, na fase de grupos?

- São 39, com os últimos jogos. São números marcantes, associados ao percurso que já tinha das seleções jovens de Angola. Para mim, já tem muito peso a nível pessoal, pelo percurso que tenho feito em Angola. Um dia saírei de Angola, mas Angola jamais sairá de mim. É um número que mostra a nossa resiliência a ultrapassar dificuldades, o nosso projeto, o enriquecimento e consolidação de um conjunto de valências que Angola necessitava. Temos 25 jogos em que tivemos três derrotas. É significativo. Não terá sido muito comum no passado de Angola, mas sabemos que há um conjunto de jogos que não temos conseguido vencer, temos muitos empates nos últimos jogos. Tem-nos faltado discernimento para concretizar o volume de jogo que temos criado. Temos tido várias situações fora do campo que nos têm afetado e nem sempre podemos contar com o nosso plantel. Isso acaba por ter impacto nos resultados finais. O que é certo é que temos sido bastante afirmativos, jogamos um futebol positivo. A nível africano começa a haver esse reconhecimento, até pela quantidade de convites que temos tido para fazer jogos de preparação. É porque se começa a valorizar o nosso futebol e o nosso crescimento desportivo. Agora trata-se de o provar perante os melhores, e sempre foi o nosso propósito estar entre os melhores, daí termos estabelecido a meta de estarmos no top 10. Queremos jogar com os melhores e nada melhor do que começar com a Argélia, que é uma das fortes candidatas ao título. Em 2019, foi campeã, em 2022, teve o amargo de ser surpreendida na fase de grupos e chega a querer limpar a imagem porque é uma seleção com muito potencial e séria candidata ao título. Nada melhor do que começar com eles para nos afirmarmos e termos esse estímulo para o resto da CAN.

- Suponho que, em provas destas, é prematuro prometer o que quer que seja, mas vamos esperar uma Angola resiliente, como tem sido a sua equipa técnica, e disposta a dar alegrias ao povo angolano?

- Com certeza! Existe uma grande expectativa e isso é um aporte do nosso trabalho. Voltamos a dar expectativa à população, que volta a acreditar que Angola pode almejar a estar no Campeonato do Mundo, que é o que todo o povo angolano anseia. Neste caso é uma CAN, Angola participa pela 9.ª vez, não tem sido tão assídua quanto isso. Das oito ocasiões anteriores, em 26 jogos, Angola só conseguiu quatro vitórias, só por duas vezes passou a fase de grupos e nunca ganhou nenhum jogo na fase a eliminar. Esse é o nosso ponto de partida, mas sabemos do nosso potencial e do que tem sido a consistência do nosso crescimento. Isso dá-nos força para encarar os desafios e acreditar. Queremo-nos afirmar com Argélia, a Mauritânia tem vindo a crescer, não será fácil, mas acreditamos que temos capacidade para a superar, vem o Burquina Faso, que nas últimas cinco edições é a seleção com melhores resultados apesar de nunca ter sido campeã. Já foi vice-campeã, 3.º e 4.º lugar, é um forte oponente. Queremos passar a fase de grupos, vamo propôr-nos a isso e será jogo a jogo, com um futebol positivo. Que esta onda em crescendo seja cada vez mais forte e todos juntos vamos alavancar Angola para atingir aquele patamar que todos os angolanos anseiam, que é o topo do futebol africano.

"A minha ligação contratual é até à CAN"

- Disse "um dia sairei de Angola, mas Angola nunca sairá de mim". Suponho que, a partir desta declaração, o mister tem as suas ambições. Poderemos ver Pedro Gonçalves treinar um clube e não uma seleção? E falo num clube em Portugal, na Europa...

- O convite para ingressar nas seleções foi completamente inesperado, depois também foi inesperado o desafio da seleção principal. Se me dissessem, quando fui para Angola, se vaticinava ser selecionador, confesso que não. Acabou por se enquadrar neste potenciar de talentos e projeção do futuro que tive no Sporting e no 1.º de Agosto. Estou muito feliz com o percurso que tenho feito em Angola, muito me honra, estou muito grato. Vamos terminar a CAN, a minha ligação contratual é até à CAN, e haverá tempo para pensar que desafios dar à minha carreira profissional. Regressar a Portugal está sempre na minha perspetiva, mas vamos ver. Agora o foco absoluto é na CAN.

- Que mensagem gostaria de deixar ao povo angolano?

- Essencialmente, que se revejam em nós, no nosso percurso, como temos sido resilientes a ultrapassar as dificuldades, que temos muito orgulho em representar Angola. Todos, mas acreditem mesmo que todos, têm uma enorme ambição de projetar Angola no mundo e todos juntos, com esta corrente que tem vindo a crescer, os estádios em Angola têm estado cheios e a onda de apoio tem sido enorme. Que todos juntos consigamos, mais uma vez, ir em frente nos desafios e que cada vez mais o povo angolano e todos os que gostam de Angola se revejam na sua seleção de futebol.

O calendário da seleção angolana
O calendário da seleção angolanaFlashscore