Reportagem: Do cantor ao estafeta e ao Linkedin de Rui Águas - as estrelas desconhecidas da CAN
O campeonato africano conta com um elenco cada vez mais eclético, sobretudo nas últimas décadas, com o alargamento do torneio a 24 equipas, e muitos países procuram talentos fora das suas fronteiras.
Assim, um músico que praticava futebol nas horas vagas estava entre os mais de 600 futebolistas presentes no torneio da Costa do Marfim, juntamente com um jogador que entregava refeições há apenas alguns meses, e outro que foi contactado pela primeira vez através do LinkedIn.
O avançado moçambicano Stanley Ratifo, cuja equipa foi eliminada na segunda-feira, regressou ao Pforzheim, onde joga no quinto escalão do futebol alemão.
Filho de um trabalhador moçambicano, contratado na antiga Alemanha de Leste, nasceu em Halle, mas desistiu do seu sonho de se tornar jogador profissional no Colónia, onde chegou a estar à margem da equipa principal, mas nunca lhe foi proposto um contrato.
Mas a sua carreira musical não o impediu de trabalhar numa editora de Pforzheim, no sudoeste da Alemanha. Tem quase 9.000 ouvintes por mês no Spotify e a sua canção mais conhecida, "PradaShades", tem 224.000 streams.
"Mas a paixão pelo futebol não me largou", explica, pelo que se dirigiu ao clube local e pediu para treinar, tendo sido prontamente convidado a entrar.
Quando voltou a jogar regularmente, contactou Moçambique. A seleção convidou-o para jogar e ele marcou um golo na sua estreia.
Agora treina diariamente, toca música à noite e, de vez em quando, vai à seleção.
"Posso atravessar a rua na Alemanha e ninguém sabe quem eu sou, mas em Moçambique as pessoas estão sempre a parar-me", conta.
"Isto é uma piada?"
O neerlandês Miano Danilo van den Bos, de 20 anos, também tinha desistido de uma carreira profissional no FC Eindhoven, da segunda divisão neerlandesa.
Entregava costeletas para um restaurante na sua cidade natal, Veldhoven, antes de se juntar a uma academia em Espanha, para jogadores que procuram manter a forma enquanto procuram outras oportunidades no futebol.
A mãe é tanzaniana e a família passa férias na Tanzânia de dois em dois anos, mas não sabe ao certo como é que o treinador Adel Amrouche ouviu falar dele.
"Atendi a uma chamada e era o selecionador nacional. Pensei: 'isto é uma piada?", conta.
Foi convidado para um estágio antes da Taça das Nações e fez o suficiente para impressionar e ganhar um lugar no plantel.
"A minha mãe desatou a chorar", conta Miano Danilo van den Bos sobre o momento em que soube que tinha sido escolhido.
O defesa cabo-verdiano Roberto Lopes, cujo país foi o surpreendente vencedor do Grupo B, nasceu em Dublin.
Apesar de ter ganho regularmente o campeonato com o Shamrock Rovers, não pensava numa carreira internacional, até porque o pequeno arquipélago lusófono, de onde o seu pai é originário, é uma ilha.
"Criei um perfil no LinkedIn quando estava na faculdade, mas nunca o vi. Recebi uma mensagem do então treinador Rui Águas, mas ele escreveu-me em português. Pensei que era uma mensagem de spam e não dei importância. Cerca de nove meses depois, ele respondeu-me por mensagem: 'Olá Roberto, já tiveste oportunidade de pensar no que te disse?'" explicou Lopes.
"Senti-me muito mal por não lhe ter respondido meses antes. Copiei a mensagem e coloquei-a no Google Translate. Basicamente, dizia: 'Estamos a tentar integrar novos jogadores no plantel de Cabo Verde e estaria interessado em declarar-se para Cabo Verde?'", contou.
Roberto Lopes disse que não precisava de um segundo convite. Isto foi antes da última final da Taça das Nações, nos Camarões, onde jogou todos os jogos e continuou a ser titular durante todo o torneio na Costa do Marfim, onde os cabo-verdianos têm sido uma das equipas em destaque.