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Final única da Libertadores continua longe de ser o Super Bowl e mostra mazelas na gestão

Josias Pereira
No próximo dia 4, Fluminense e Boca Juniors lutarão pela taça no Maracanã
No próximo dia 4, Fluminense e Boca Juniors lutarão pela taça no MaracanãConmebol/Divulgação
O sonho de Alejandro Domínguez, presidente da Conmebol, é o de transformar a final da Libertadores no Super Bowl da América do Sul. Neste sábado, a decisão do maior torneio de clubes do continente será disputada pela quinta vez em jogo único, fórmula adotada em 2019 e que também se inspirou na sua equivalente europeia, a Liga dos Campeões.

Passadas quatro edições, esta será a primeira vez que todos os bilhetes da decisão foram comercializados. Fluminense e Boca Juniors, portanto, jogarão no próximo sábado com casa cheia, algo que não aconteceu nas finais anteriores do torneio.

Antes de 2019, as decisões da Libertadores eram disputadas a duas mãos. A mudança de regulamento ressuscita - todos os anos - as críticas relacionadas à decisão da Conmebol.

De entre vários fatores, especialmente os económicos e de infraestrutura, o continente sul-americano possui inúmeros mazelas, como a logística oferecida para a deslocação de adeptos, muito diferente das pequenas distâncias enfrentadas na Europa, além do poder económico e a facilidade de meios de transporte.

Mas a final única pode apresentar múltiplas possibilidades de ativações, distribuição, marketing e receita. Será que a Conmebol realmente sabe explorar ou tem explorado isso?

É possível transformar a final da Libertadores no Super Bowl das Américas?

Glendale, no Arizona, recebeu o último Super Bowl
Glendale, no Arizona, recebeu o último Super BowlAFP

O Flashscore conversou com Amir Somoggi, um dos maiores especialistas brasileiros em marketing e gestão desportiva, para procurar os prós e os contras da final a um só jogo. Em entrevista, Somoggi recordou a experiência do Super Bowl.

"A NFL criou essa final única, o Super Bowl. A Champions mudou e agora a Conmebol também está focada nisso", explicou Amir.

"Há alguns motivos para essa decisão. O primeiro deles é a exclusividade do impacto económico. Para se ter uma ideia, o impacto económico do Super Bowl para a região que recebe a grande decisão é de US$ 500 milhões (cerca de 467 milhões de euros). A NFL perde espaço para os adeptos, mas, teoricamente, ganha em dinheiro. Na Conmebol isso já não acontece", acrescentou o especialista.

Maracanã será o palco da final deste sábado
Maracanã será o palco da final deste sábadoAFP

"Existe o impacto económico local. (...) É indiscutível que quando você leva a final para o Rio, para Lima, isso tem um impacto, mas durante a competição e até ao vice-campeão, o valor (em prémios) é muito baixo. Para o campeão não, 18 milhões de dólares (cerca de 17 milhões de euros) está ok. Mas o 32.º classificado da Champions recebe muito mais que o campeão da Libertadores, então esse modelo serve muito na NFL, na Champions, porque tem muitos pagamentos. O campeão da Champions fatura mais de 100 milhões de euros, enquanto o campeão da Libertadores recebe próximo a 30 milhões de dólares (cerca de 28 milhões de euros)", prosseguiu Amir.

De acordo com o especialista, no entanto, é preciso avaliar o impacto económico para as cidades que recebem a decisão, algo que seria melhor sentido se existisse uma transparência no processo de escolha das sedes.

"Se houvesse um bid (candidatura) honesto para que as cidades pudessem candidatar-se de forma correta e não pelas amizades ou relações, eu diria que teria um benefício para a economia. Mas acaba por ser sempre nos lugares onde é mais fácil para a Conmebol organizar".

Nem a imprevisibilidade garante o lucro no modelo atual

A Fanzone da Libertadores no Rio de Janeiro
A Fanzone da Libertadores no Rio de JaneiroConmebol/Divulgação/X

Para Amir, apesar do ganho técnico de um jogo emocionante e decidido em apenas um duelo, a falta de ganhos reais com o produto limita o poder de uma final no modelo praticado pela Conmebol.

"A imprevisibilidade é importante, mas se fossem dois jogos, lá e cá, o impacto seria maior. É uma cópia do que tem sido feito lá fora sem ter pavimentado o caminho para que os clubes ganhassem muito com isso", analisa Amir Somoggi.

"Por exemplo, até chegar ao Super Bowl, cada jogo de uma equipa da NFL gera mais de US$ 100 milhões (cerca de 94 milhões de euros) em receita de estádio. Então, independentemente se for ao Super Bowl ou não, o ganho do clube está assegurado com o estádio, com patrocínios, com o pagamento da TV. Falta isso à Conmebol. Os valores são altos perto do que já foram, mas ainda estão muito baixos", ponderou o especialista.

A Libertadores ainda é um campeonato regional

Nos outros desafios, um grande impeditivo da Libertadores é o facto de ainda ser um campeonato que atrai pouca atenção do público fora do continente.

"Infelizmente a Libertadores é um campeonato regional. Tenho estudos dos Estados Unidos, por exemplo, que mostram que o torneio não tem a menor importância. Na Europa, os números mostram que muitos nem sabem da existência. Então, infelizmente, a Conmebol falhou neste processo", diz Somoggi ao Flashscore.

"A Libertadores é importante no continente, e eu digo América do Sul, que tem baixíssimo poder de consumo. Então não reverbera na Ásia, no Médio Oriente, nos Estados Unidos, na Europa Central, no Leste Europeu, Oceania, diferente da Champions, diferente de outros eventos como a NFL e a NBA", acrescentou o especialista.

Uma das marcas desta falha de divulgação e exposição é que a própria Conmebol não revela os números da sua audiência global.

"Ela (Conmebol) nem divulga (a audiência) de tão irrisória. Se não fosse o Brasil, com a sua alta audiência, já que o país gera muita audiência para a Conmebol, é o principal mercado da Confederação Sul-Americana, as coisas poderiam ser piores. Se um clube do Brasil está na final, a Conmebol garante uma audiência local, muitas vezes focada naquele jogo. Infelizmente, a Libertadores não tem importância global e não terá tão cedo enquanto a gestão não for alterada", concluiu Somoggi.

Sem ter em contar o perfil do adepto

O perfil do adepto sul-americano não se enquadra no padrão estrangeiro
O perfil do adepto sul-americano não se enquadra no padrão estrangeiroConmebol/Divulgação/X

A ideia do futebol como negócio ainda não é bem digerida pelos adeptos. Para Amir Somoggi, o Brasil e a Conmebol não poderiam copiar o modelo estrangeiro sem ter em conta o perfil do adepto de futebol do continente.

"Acredito que essa questão popular do futebol, a elitização dos estádios, o encarecimento dos jogos, o pobre fica restrito a ver pela TV, enquanto o rico pode ir ao estádio, isso é uma tendência europeia que não deveria acontecer, por exemplo, num país como o Brasil, onde 90% da população ganha menos de R$ 4 mil por mês (cerca de 740 euros). Isso não representa nem mil dólares, só para comparar com o que acontece lá fora", opinou.

Faturação da Libertadores cresce, mas fatia dos clubes poderia ser maior

Alejandro Domínguez, presidente da Conmebol
Alejandro Domínguez, presidente da ConmebolAFP

Na avaliação de Somoggi, a Libertadores tem apresentado crescimento nas suas receitas, mas isso não é proporcional aos valores recebidos pelos clubes.

"A fautração da Libertadores tem crescido. A competição sofreu na pandemia, como outras Ligas sofreram. Em 2019, a faturação foi de US$ 300 milhões (cerca de 281 milhões de euros) para a Conmebol e hoje esse valor chegou a US$ 350 milhões (cerca de 328 milhões de euros). No mesmo período, o pagamento para os clubes saltou de US$ 184 milhões (cerca de 173 milhões de euros) para US$ 203 milhões (cerca de 190 milhões de euros)", informou Somoggi.

As equipas que disputam o torneio poderiam ter recebido mais se a Conmebol cortasse os seus gastos, especialmente do ponto de vista administrativo.

"Dava para ter crescido mais o pagamento, mas a Conmebol gasta muito com a administração, com comissões por direitos de transmissão, um gasto desenfreado. Poderia ter muito mais dinheiro para os clubes. Hoje os clubes estão a lutar para receber US$ 203 milhões (cerca de 190 milhões de euros), sendo que US$ 18 milhões (cerca de 17 milhões de euros) são para o campeão", finalizou o especialista.