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Novos estudos mostram o que a concussão faz ao cérebro dos atletas

Alex Xavier
Cabeceamentos geram problemas a longo prazo para os jogadores
Cabeceamentos geram problemas a longo prazo para os jogadores AFP
Uma pancada na cabeça nunca pode ser coisa boa, é senso comum, mas só agora a ciência está a entender o porquê. Depois de alguns casos de suicídios de atletas, o mundo do desporto se mostra cada vez mais preocupado com a concussão em várias modalidades e está a criar maneiras de driblar o problema.

Quando um atleta bate a cabeça ou leva um golpe — numa luta de boxe, por exemplo —, o cérebro move-se para frente e para trás dentro do crânio como uma gelatina, causando danos físicos no local do impacto e também no lado oposto do crânio.

O problema não é a pancada em si, mas a rápida aceleração, desaceleração e rotação da cabeça

Ex-capitã da seleção francesa de rugby, Marie-Alice Yahe em tratamento para concussão em fevereiro
Ex-capitã da seleção francesa de rugby, Marie-Alice Yahe em tratamento para concussão em fevereiroAFP

Os golpes repetidos na cabeça liberam substâncias químicas das células cerebrais rompidas e, basicamente, essas substâncias desencadeiam uma onda de destruição. Mesmo golpes leves na cabeça podem causar problemas – não só aos atletas, claro, mas a qualquer pessoa.

A maioria das pessoas que sofrem concussão breve recuperam em três semanas, mas cerca de 10% a 15% não recuperam totalmente, segundo números da Harvard Medical School.

Já a concussão de longo prazo inclui uma lista enorme de sintomas: de enxaqueca e tontura à visão turva, depressão, insónia e perda de memória.

Concussão leva à morte

No campeonato norte-americano de futebol americano (NFL), há pelo menos dois casos de suicídio relacionados com concussão. 

David Duerson, ex-jogador do Chicago Bears, tirou a própria vida em 2011, logo depois de pedir à família que doasse seu cérebro para pesquisa.

Julian Edelman, dos Patriots, levando uma joelhada na cabeça no Super Bowl de 2016
Julian Edelman, dos Patriots, levando uma joelhada na cabeça no Super Bowl de 2016AFP

Foi diagnosticado pela Universidade de Boston com encefalopatia traumática crónica (ETC), uma doença cerebral degenerativa associada a repetidos golpes na cabeça. No ano seguinte, Junior Seau, ex-linebacker do San Diego Chargers, suicidou-se com um tiro no peito após sofrer da mesma doença.

De acordo com a Universidade de Boston, cerca de 99% dos atletas da NFL sofrem de alguma forma de concussão.

Na última década, mais de 4,5 mil ex-atletas já processaram a NFL por causa de lesões cerebrais relacionadas à prática do esporte. A liga teve de pagar quase mil milhões de dólares em indenizações. 

Na população geral, a condição é mais grave nas mulheres, por razões ainda desconhecidas. A primeira atleta profissional a ser diagnosticada com ETC foi Heather Anderson, uma jovem jogadora de futebol australiano, que se matou em 2022 depois de anos a lutar contra a depressão causada pela doença.

Do boxe à NFL: os casos mais graves

O primeiro desporto a denunciar as consequências da concussão foi o boxe, ainda em 1928, quando médicos repararam que lutadores desenvolviam um andar estranho e uma leve confusão mental semelhante à embriaguez.

Em alguns pugilistas, a condição piorava e evoluia para a demência – o que rendeu à concussão o nome de "demência de boxer" na sua origem.

Julio Cesar Martínez (dir.) golpea Angelino Cordova: o boxe foi o 1º esporte a flagrar o problema
Julio Cesar Martínez (dir.) golpea Angelino Cordova: o boxe foi o 1º esporte a flagrar o problemaAFP

Foi apenas em 2005, quase um século depois, que o primeiro caso de concussão severa foi descoberto noutro desporto.

Mike Webster, ex-jogador do Pittsburgh Steelers e Kansas City Chiefs (futebol americano), faleceu repentinamente aos 50 anos de idade após apresentar problemas cognitivos e sintomas semelhantes aos do Parkinson.

Atualmente, a ETC já foi diagnosticada também em jogadores de hóquei no gelo, críquete, e de basebol, um bull rider (pessoa que monta touros nos rodeios norte-americanos) e um ciclista, de acordo com a publicação britânica New Scientist.

No râguebi, o problema também é evidente. Em dezembro de 2023, centenas de ex-jogadores entraram com processo contra a World Rugby e a Rugby Football Union por não tomar medidas para proteger as cabeças dos atletas.

Cabeceamento no futebol também é problema

O futebol também sofre com o problema. De acordo com a Universidade de Glasgow, jogadores profissionais que cabeceiam mais a bola e têm carreiras mais longas correm mais risco de desenvolver a ETC.

Em Inglaterra, pelo menos 17 antigos profissionais faleceram com lesões cerebrais relacionadas ao futebol.

"Estamos acostumados à dor, somos um pouco como soldados, durões, símbolos de força física, mas estas concussões têm sintomas bastante invisíveis", disse na segunda-feira o central francês Raphaël Varane, que sofreu repetidas concussões na carreira e revelou ter jogado grogue por conta das lesões.

"Precisamos de falar sobre os perigos associados à síndrome do segundo impacto e à repetição de pancadas por causa das cabeçadas", pediu o jogador do Manchester United em entrevista ao jornal L'Équipe.

Neste ano, a FIFA autorizou substituição extra para atletas que sofrem concussão em campo "após uma ampla consulta relacionada à busca de maneiras de prevenir possíveis lesões neurológicas durante os jogos" após teste no último Mundial.

Substituição por possível concussão na Copa de 2022, no Catar
Substituição por possível concussão na Copa de 2022, no CatarAFP

Prevenção e tecnologia

Por enquanto, o foco maior está na prevenção. Em todo o mundo, jogadores de futebol amadores e profissionais estão a ser treinados para cabecear a bola com mais segurança, e algumas federações proibiram totalmente o cabeceamento no futebol juvenil.

Mas a tecnologia também já está a ajudar os atletas.

A World Rugby estreou este ano seu "protetor bucal inteligente" nos torneios das Seis Nações. O dispositivo monitora as acelerações na cabeça e avisa os médicos da equipa sobre qualquer situação acima dos limites estabelecidos.

Entre outras medidas - que envolvem até inteligência artificial - A NFL também está a testar o protetor bucal do râguebi, enquanto a Universidade de Stanford está desenvolvendo um capacete com amortecedores líquidos que deve entrar em vigor na liga em breve.

Outra prevenção tomada pela liga é a nova regra de kick off que entra em prática na próxima temporada.

Os problemas causados pela concussão demoram para aparecer, mas apareceram já aos milhares. Por isso as modalidades estão se mexendo cada vez mais para lidar com o problema.