O clube mais português da Rep. Checa: "Só me lembro que estou no estrangeiro quando há jogos"
A contratação de Diogo Bessa, lateral esquerdo de apenas 24 anos, campeão da Youth League pelo FC Porto, chamou a atenção. Afinal, o que o leva ao terceiro escalão da República Checa? Assim que fomos conhecer o plantel, obtivemos algumas respostas imediatas.
O esquerdino é apenas o 7.º jogador a chegar a Znojmo, onde está uma equipa composta, na sua maioria, por jogadores que falam português. É que, além dos sete portugueses, há ainda três brasileiros, todos orientados por uma equipa técnica também ela portuguesa.
Rui Amorim, treinador com passagem por vários clubes do Campeonato de Portugal, da Liga 2 e da AF Porto, mudou-se em outubro para substituir Luís Silva, o anterior português a comandar o Znojmo, campeão da 2.ª divisão da República Checa em 2012/13.
Tal como Diogo Bessa, o técnico de 47 anos aceitou o desafio de deixar Portugal e rumar a Znojmo, num clube onde falar português é cada vez mais habitual. Em entrevista ao Flashscore Portugal, o antigo treinador de clubes como União de Leiria e Vizela traça-nos o perfil do clube mais português da República Checa.
- Que balanço faz desta experiência?
- Até ao momento, o balanço tem sido positivo.
- Como surgiu esta oportunidade?
- Com um contacto que eu tinha, que me ligou e perguntou se tinha interesse em trabalhar na República Checa. O presidente do clube contactou-me, estivemos a falar cerca de um mês sobre o projeto, sobre a equipa, sobre o futuro e acabámos por chegar a acordo.
- Depois dessas conversas, o que o levou a aceitar a proposta?
- O projeto e a experiência no estrangeiro. Em Portugal, o mercado está um pouco estranho e já tinha o objetivo de experimentar o estrangeiro. Surgiu agora e penso que tem sido positivo.
- O que é que encontrou?
- Encontrei uma equipa com muitos portugueses, o treinador que iniciou a época era português (Luís Silva). Os donos do clube gostam do futebol e do jogador português, daí escolherem jogadores portugueses. É um clube com boas infraestruturas, com boas condições de trabalho, que precisava de ajuda para se estruturar mais um pouco. Agora, com algumas mexidas, temos conseguido colocar o clube mais à imagem da nossa forma de trabalhar e do que achamos que deve ser um clube de futebol.
- Mas por que razão é que os proprietários apostam tanto no mercado português?
- O grupo que detém o clube tem mais clubes - Espanha, Inglaterra e Arábia Saudita. Tem experiência no futebol e aprecia o jogador português pelo seu futebol e pela sua qualidade, mas também pela fácil gestão. Temos um perfil que não é problemático, é mais fácil de gerir, por isso é que vemos portugueses espalhados por todo o mundo.
- Treina pela primeira vez no estrangeiro, mas encontra um balneário cheio de portugueses. Como é trabalhar com eles?
- Só me lembro que estou no estrangeiro quando estamos nos jogos, mas dentro do clube estabelecemos que a língua-mãe é o inglês, para estarmos todos em igualdade. Acabamos por falar muito em português, mas por norma é em inglês.
- Isso foi visto com naturalidade pelos restantes jogadores e clubes?
- É tudo normal quando o jogador entende que está em pé de igualdade, que não há nacionalidade que distinga. É importante ali e em todo o lado. O jogador português não tem benefícios por ter a mesma nacionalidade que o treinador. Isso é fundamental.
- São certamente alvo de atenção por isso...
- Também é uma forma de marketing que os donos do clube arranjaram para tornar o clube ainda mais visível. O facto de termos muitos estrangeiros torna o clube alvo de observação. Temos muitos olheiros do país, mas não só. Já saíram vários artigos na imprensa.
- O último português a juntar-se foi o Diogo Bessa, vencedor da Youth League pelo FC Porto. Como é que o convenceram? Falou com ele?
- Gosto sempre de falar com os jogadores em quem tenho interesse e penso que os jogadores também gostam porque quem vai trabalhar com eles é o treinador. Falei com ele e com a família. Passei-lhe o que ia encontrar. Falei com um jogador altamente motivado depois de uma experiência em Espanha que não foi positiva. É um caminho de alavancagem para a carreira do Diogo, que dispensa apresentações. Tem muita qualidade, uma formação de excelência, ganhou a Youth League com o FC Porto, depois não teve a repercursão desejada por ele. Esperemos que a República Checa o leve a outros patamares porque a qualidade que demonstra assim o merece.
"A maior parte das pessoas não sabe falar inglês"
- A nível pessoal, que dificuldades sentiu nestes primeiros meses?
- Fui com motivação, mas com muita curiosidade. A língua seria sempre um obstáculo. Não sabia, mas no país o inglês não é muito falado, a maior parte das pessoas não sabe falar inglês, a comunicação torna-se curiosa. Usamos muito o tradutor e imagens, mas o que encontrei foi um país que nos recebeu muito bem, muito tranquilo, seguro, que, pelo menos no nosso clube, dá aos seus jogadores e treinadores muito boas condições de trabalho. Isso ajuda-nos a adaptar-nos com mais facilidade a um país em que a barreira da língua existe. Não é difícil porque as pessoas mostram-se bastante disponíveis para nos ajudar, mas a barreira existe.
- Para já, está a correr bem?
- Quando chegámos, encontrámos o clube posicionado em 10.º lugar e o que nos foi pedido foi que, até à pausa de inverno, que está a acontecer agora, conseguissemos encurtar a distância para os primeiros classificados, para, na segunda volta, tentarmos colar-nos aos primeiros lugares. Felizmente, isso foi conseguido.
- Como é o campeonato?
- É uma Liga com equipas muito equilibradas, com uns seis clubes que lutam pela subida e só um sobe - dois dos clubes são equipas B de clubes fortes do país. É um campeonato muito físico. O que penso que falta ao futebol checo são mais futebolistas estrangeiros que possam fazer evoluir mais o futebol. Sinto que são um pouco fechados a isso, mas temos sido muito bem tratados e respeitados por todos. Por termos mais estrangeiros, todos nos querem ganhar, é evidente. É mais um fator motivacional.
- Treinou muitas vezes no Campeonato de Portugal. Que tipo de comparação pode ser feita?
- O nível é equivalente ao da Liga 3. A nível de infraestruturas tem sido uma agradável surpresa. O desporto-rei na República Checa é o hóquei no gelo, não é o futebol, por isso não esperava encontrar infraestruturas tão boas, que conseguem ombrear com clubes do primeiro e segundo escalão (checos).
- Como é que um treinador se prepara para treinar lá fora?
- A preparação começa com a mentalização, a minha e da minha família. Já há um ano que me estava a mentalizar para trabalhar fora do país. Depois, ouvi e li muitas experiências de colegas meus que estão no estrangeiro - na Europa e na Arábia Saudita. Depois passa por vivenciar essa experiência e pôr em prática algumas coisas que fazia em Portugal e outras aprendemos aqui. Esse é o segredo. Não posso querer chegar a um país completamente distinto e querer fazer tudo da minha forma. Contrataram-me e pediram para mudar um bocado o paradigma do clube e do futebol a que estavam habituados. As duas primeiras semanas foram bastante difíceis para a equipa técnica. Optei por uma fase de observação e depois é que comecei a fazer mudanças graduais, desde a alimentação aos hábitos da preparação para os jogos. Eram pessoas que não estavam habituadas a reunir para preparar o que quer que fosse. Hoje em dia, há reuniões no início da semana, que são normais para nós e que para eles não eram.
- Quais são os objetivos do clube? E a nível individual?
- Os objetivos são disputar os primeiros lugares, promover o clube e o projeto. O meu objetivo é sentir-me bem onde estou e isso acontece neste momento. Desde que deixei Portugal, por incrível que pareça, já recebi abordagens que declinei porque estou feliz aqui. O objetivo também é abrir portas de outros mercados e trabalhar com motivação onde sou desejado.
- Estão a quatro pontos do primeiro lugar: não falam mesmo da subida?
- Não, nem podemos falar na subida de divisão quando ombreamos com equipas B dos principais clubes, sendo que só sobe uma. Estar nesta fase a falar sobre isto, estar nos primeiros lugares, sentir a alegria dos adeptos e das pessoas do clube por ombrear com as equipas mais fortes, dá-nos muito gozo. Vamos fazer uns ajustes normais no plantel e voltar em janeiro para a pré-época com o objetivo de ombrear com qualquer equipa.
- Para finalizar, conte-nos que clube é este e como são os seus adeptos: há muita gente a apoiar?
- O Znojmo já esteve há uns anos na Liga checa. Tem grandes infraestruturas também por isso. Teve de estruturar o seu estádio. Passou por dificuldades financeiras e isso levou a que o clube fosse caíndo até ao terceiro escalão e fosse adquirido por este grupo. Isso levou a que houvesse um distanciamento dos adeptos pelo clube, o que é normal. Neste momento, temos sentido o regresso dos adeptos ao estádio, que querem ver o clube da sua cidade a ganhar. Acontece em todo o lado, um clube que ganha mais vezes atrai um maior número de adeptos. No último jogo, já estavam cerca de 2.000 adeptos.