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Reportagem: O mundo das transferências na América, da nova tática da MLS ao eclipse mexicano

AFP, Mário Rui Ventura
MLS largou os jogadores em final de carreira e tem apostado em jovens emergentes
MLS largou os jogadores em final de carreira e tem apostado em jovens emergentesMLS Soccer
Há uma nova e distinta peça no xadrez do tabuleiro das transferências no futebol do continente americano. A Major League Soccer (MLS), anteriormente conhecida por contratar apenas jogadores famosos, em final de carreira, ganha agora terreno nas contratações, aproveitando o declínio de mercados mais tradicionais, como Argentina e México.

A mudança de postura na quantidade e qualidade das contratações das equipas pode melhorar o nível competitivo da MLS e, ao mesmo tempo, as margens de lucro, uma vez que em vez de estrelas em final de carreira, agora a aquisição de jovens de qualidade poderão render com transferências para a Europa, tomando o lugar de potências sul-americanas nesse tipo de negócio.

"Tem a ver com a visão que tiveram os donos das equipas para que (a MLS) se torne uma das maiores ligas do mundo", disse Alfonso Mondelo, diretor de competições da MLS, à AFP.

MLS: Campeão de compras

A liga dos Estados Unidos, onde participam ainda três equipas canadianas, é, desde 2021, a que mais gasta em contratações na América, segundo uma análise da AFP, a partir de relatórios da FIFA sobre transferências entre 2018 e 2022 (exceto em 2020, devido à pandemia).

Em 2021, foram gastos praticamente 160 milhões de euros, três vezes mais do que no Brasil, 11 vezes mais que na Argentina e cinco vezes mais do que no México. Na temporada passada, foram 167 milhões de euros, mais que o dobro de argentinos e mexicanos e 1,5 milhões a mais do que os brasileiros.

"Nos primeiros anos da MLS, era preciso quase implorar aos jogadores para que viessem. Agora eles entram em contacto connosco devido à organização e porque depois podem ir para Europa", afirma Mondelo.

Em fevereiro de 2022, o Atlanta United deu uma mostra dessa nova estratégia: pagou ao Vélez Sarsfield, da Argentina, o valor recorde para esse mercado de 15 milhões de euros por Thiago Almada, então com 20 anos, e cobiçado por emblemas europeus, entre eles o Sporting.

"Quero fazer uma boa temporada e ter a oportunidade de ir para a Europa", afirmou então Thiago Almada.

Dez meses depois, o argentino tornou-se no primeiro jogador da MLS a ser campeão do Mundo de futebol, no Catar.

Em janelas antriores, foram contratados outros jovens com futuro no Velho Continente: o argentino Alan Velasco, o uruguaio Diego Rossi e o brasileiro Talles Magno.

Salto competitivo

Contratar estrangeiros e fortalecer a formação rendeu frutos: o valor das 29 equipas da MLS (1,15 mil milhões de dólares) é o segundo maior em termos absolutos desde 2022, próximo ao dos 20 clubes da Série A do Brasileirão (1,33 mil milhões de euros).

Atrás aparecem os 18 da elite do Campeonato Mexicano (810 milhões de euros) e os 28 da Argentina (784 milhões de euros), segundo o Transfermarkt.

"Os Estados Unidos, em termos de valor de mercado, vão acabar por ultrapassar a Europa porque sabem fazer negócios gigantescos, estão a crescer de uma forma correta, gradual", afirma o agente de jogadores Marcelo Mascagni, do Brasil.

No entanto, a liga dos EUA, uma das sedes do Mundial-2026, juntamente com Canadá e México, ainda tem um longo caminho a percorrer.

As conquistas internacionais dos seus clubes são ainda poucas: três títulos da Concachampions, contra 37 do México e seis da Costa Rica.

"É importante primeiro tornar-se na liga mais importante da Concacaf, o nosso próximo desafio, e depois ver como podemos alcançar as melhores ligas do mundo", explica Alfonso Mondelo.

Brasil vende mais mas ganha menos 

O Brasil tem o que os Estados Unidos estão agora à procura: domínio internacional, principalmente com os títulos de Flamengo e Palmeiras nas últimas quatro edições da Taça Libertadores.

Embora vários clubes do país estejam em crise financeira, exploram o estatuto de principal produtor e exportador mundial de jogadores para montar equipas competitivas e melhorar a sua estrutura.

A saída de jogadores jovens tem vindo a ser trocada pela chegada de nomes de peso no final das suas carreiras - o uruguaio Luis Suárez (Grémio), o chileno Arturo Vidal (Flamengo), o brasileiro Marcelo (Fluminense) -, bem como promessas de outros países da América do Sul.

Seja pela matéria-prima ou com a revenda de estrangeiros, o Brasil consolidou-se como o país do continente que mais fatura com transferências.

Em 2022, 998 jogadores do futebol brasileiro foram vendidos por 246 milhões de euros, muito à frente de Argentina (134 milhões) e Estados Unidos (124 milhões), segundo a FIFA.

Mas nem tudo são boas notícias: embora as exportações tenham aumentado, o volume de dinheiro a entrar no futebol brasileiro diminuiu. No ano passado, as receitas com vendas foram 30% mais baixas do que em 2018, mesmo com a venda de 166 jogadores a mais.

Isto deve-se à "desorganização dos clubes, que deixam sair a custo zero os jogadores. Às vezes preferem não ganhar nada do que vender barato", acredita o agente de jogadores brasileiro, Marcelo Mascagni.

Para o empresário, muitas vezes os clubes perdem o timing da venda e, por isso, acabam por negociar valores menores ou, também, "os clubes europeus levam as promessas brasileiras cada vez mais jovens", quando custam menos.

A crise da montra argentina

O fortalecimento brasileiro contrasta com a crise da maior rival: a Argentina, que vive com escassez de dólares, usados para transações e salários, com a desvalorização do peso argentino e a inflação em alta.

As promessas que surgiam em mercados emergentes vão, agora, para Brasil ou Estados Unidos. Desta forma, o Campeonato Argentino envelhece: a média de idade dos jogadores é atualmente de 26,7 anos, contra os 24 de 2018.

"A Argentina não é um mercado atrativo", exceto o River Plate e o Boca Juniors, aponta Jaime Rascón, especialista em mercado, com experiências no América do México e no Barcelona, de Espanha.

"Tem a desvalorização da moeda, que complica muito para qualquer jogador manter o seu poder aquisitivo e padrão de vida", acrescenta.

Por isso, o futebol do país perdeu figuras emblemáticas, como o médio Nacho Fernández, que deixou o River em 2021, último clube não brasileiro a vencer a Libertadores (2018), para assinar com o Atlético Mineiro. Acabou por voltar, recentemente, ao clube de Buenos Aires para a temporada 2023.

Mercado mexicano... desapareceu

Clubes que antes alimentavam o futebol argentino também assustaram-se com as disputas judiciais com equipas da Argentina devido a falta de pagamentos.

"Fazer negócio com os Estados Unidos tornou-se o primeiro foco", diz Ramiro Ruiz, presidente do Envigado, que tem uma das escolas de formação mais conceituadas da Colômbia.

O clube vendeu, por exemplo, James Rodríguez ao Banfield, da Argentina, em 2008. De lá, o médio foi direto para a Europa e para o FC Porto, de onde saiu para o Real Madrid.

Os argentinos ainda mantêm uma vantagem: vendem com frequência as suas promessas diretamente para o futebol europeu, garantindo maior lucro, como nas transferências milionárias de Enzo Fernández para o Benfica (e depois para o Chelsea) e de Julián Álvarez ao Manchester City, ambos do River Plate e campeões do Mundo no Catar, em 2022.

Historicamente conhecido por contratações envolvendo grandes valores e salários atrativos, o mercado mexicano também está em baixa.

"Existe um acordo da liga de baixar os salários dos plantéis e reduzir o número de estrangeiros", explica Rascón.

Nos últimos cinco anos, houve uma queda de gastos (37%) e receitas (50%) com transferências, assim como vendas (34%) e contratações (23%).

"Era um mercado que estava sempre de olho no jogador do Brasil e depois de desapareceu", lamenta Mascagni.