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Vítor Pereira, selecionador de hóquei em patins de Inglaterra: "Praticamente todos pagam para jogar"

Diogo Miguel Nunes
Vítor Pereira, selecionador de hóquei em patins de Inglaterra
Vítor Pereira, selecionador de hóquei em patins de InglaterraVítor Pereira
Antigo jogador de hóquei em patins, treinador de clubes como a Sanjoanense e o Clube Hóquei dos Carvalhos e atual selecionador inglês, cargo que ocupa desde 2022, Vitor Pereira deu uma entrevista em exclusivo ao Flashscore onde faz a antevisão da participação inglesa na Taça Intercontinental e da época 2024/25 em Portugal.

- Como surgiu esta possibilidade de assumir o cargo de selecionador inglês?

- Este cargo vem na sequência de uma parceria que fui cultivando. Há 12 anos, fui convidado pelo atual diretor técnico da seleção inglesa para estar nuns campos de férias e depois foi alguma coisa que me despertou curiosidade, vi que havia margem de progressão, de ir lá uma vez por ano passei a ir duas, fui aumentando a minha participação com eles, até que isso traduziu-se em algum conhecimento do hóquei inglês e, de uma forma natural e espontânea, surgiu a oportunidade de ser selecionador da seleção sub-23 e sénior masculina.

- Para a Inglaterra, é um regresso ao Mundial. Não esteve presente em 2022, na Argentina, em 2019, em Barcelona, a seleção sénior masculina ficou no 5.º lugar na Taça Intercontinental. A Inglaterra regressa em 2024, são seis as caras novas na convocatória em relação ao Europeu do ano passado. Quais são os objetivos da seleção inglesa para esta edição, sendo que entra na 2.ª divisão, na Taça Intercontinental. Ganhar o grupo B e garantir um bilhete para os quartos de final do Mundial é um objetivo credível?

- É um objetivo. O objetivo principal que nós temos é mostrar a evolução do hóquei em inglês. Já contamos com jogadores que jogam em Portugal e França e têm outro andamento. Esperamos apresentar-nos de uma forma mais forte em relação a Barcelona, onde fiz parte da equipa técnica como treinador adjunto, mostrar que o hóquei inglês tem evoluído e mostrar aos jogadores que estão em Inglaterra que podem continuar a acreditar no hóquei em patins. Olhamos para o grupo e vemos com ânimo que podemos discutir o primeiro lugar. No Europeu, batemo-nos bem com Andorra, perdemos numa fase inicial, mas na fase decisiva conseguimos uma vitória. Temos o Brasil e Israel, que são equipas com outro tipo de andamento, e temos obrigação de ganhar. O objetivo é o primeiro lugar e queremos que o grupo assuma esse objetivo.

- Caso contrário, se as coisas não correrem bem, o objetivo será vencer a Taça Intercontinental?

- Sim, seria lutar com equipas do outro grupo de igual para igual. A Suíça e a Alemanha têm marcado presença mais assídua a nível sénior porque estão organizadas de uma forma que é mais aproximada ao normal do hóquei em patins. São equipas fortes e, estando na Taça Intercontinental, caso a coisa não corresse bem no nosso grupo, seria lutar com essas equipas, mas acima de tudo mostrar a evolução do hóquei inglês. Ainda não está no ponto que queríamos, mas já não há aquela décalage face a algumas seleções.

- Da convocatória anunciada, seis dos 10 atletas convocados jogam no estrangeiro - quatro em Portugal e dois em França. O que é que isso representa para uma seleçãoc omo Inglaterra e como é que essas portas foram abertas aos jogadores ingleses?

- Por mérito dos jogadores, que apostam na formação deles, em vir para o estrangeiro e sair do conforto para evoluir no hóquei em patins. Nós tentamos dar apoio, mas são eles que acarretam muitas despesas. Tirando um ou outro que tem alguma vantagem financeira com o hóquei, praticamente todos pagam para jogar porque estão em divisões inferiores. Tem a parte boa e a parte menos boa. A parte boa é que os jogadores têm outra tarimba, outra experiência, entendem mais as ideias do treinador. A parte menos boa é que o grupo está mais separado. Desde janeiro que estamos a trabalhar com os jogadores, mas tivemos alguma dificuldade em juntá-los todos. Temos dado alguns treinos em Portugal, temos mais jogadores além destes a jogar em Portugal, desde sub-19 a seniores, e também temos feito alguns treinos em Inglaterra, mas temos dificuldade em juntar o grupo. Vamos fazer isso em agosto, num campo de férias, e num mini estágio em Santa Maria da Feira, antes de partirmos para Itália, a dois ou três dias da competição.

- Qual a tua opinião em relação à convocatória da seleção portuguesa? Falou-se muito do regresso de Vieirinha, da estreia de Zé Miranda na seleção e da ausência de João Souto, do Sporting. O que te pareceram as escolhas de Paulo Freitas para o Campeonato do Mundo, onde Portugal é um dos grandes candidatos à conquista do troféu em Novara?

- Não fiquei surpreendido. Felizmente, Portugal tem um lote de excelentes jogadores, enorme variabilidade de escolha e, tendo em conta o conhecimento da forma que o nosso selecionador gosta de jogar, a inclusão destes elementos não me surpreende. O Miranda fez uma reta final muito boa, é um jovem de valor, capitão da seleção sub-23. O Vieirinha ainda é jovem. Portugal prepara o futuro com alguns jovens. Podiam estar outros. Se virmos os jogadores que estão de prevenção, vemos que temos mais jogadores, como o Rafael Bessa, três jovens guarda-redes. Não me surpreende e a seleção portuguesa tem um lote de jogadores que permite sonhar com o título. Não sendo um adversário da seleção inglesa, espero que consiga trazer o título. Temos o melhor campeonato do mundo e espero que os nossos jogadores portugueses possam dar uma boa resposta ao nível da seleção.

- Durante este verão, já tivemos duas provas de hóquei em patins no que diz respeito a seleções, os dois Europeus sub-17, na vertente masculina e feminina. Como analisas o desempenho das seleções inglesas?

- Começo por aquela que esperávamos que fosse mais difícil, que era a sub-17 feminina. Com a pandemia, ficámos com poucas jogadoras de 15/16 anos. Esta seleção era praticamente de sub-15, sabíamos que ia ser muito difícil. Apresentamos três jogadoras de pista que se podia dizer que eram sub-17, mas o hóquei é um desporto de equipa. Sabíamos que a equipa inglesa ia sofrer, mas apesar de tudo achei que as exibições não foram más. Infelizmente, é uma equipa que não conseguiu um bom lugar, mas cresceu e se calhar trouxe uma motivação e análise individual daquilo que tem de fazer para crescer, para estar ao nível de um Europeu, e algumas (jogadoras) ainda terão possibilidade de disputar dois ou três campeonatos sub-17, o que será muito bom para elas. Os sub-17 masculinos já são jogadores com qualidade, tem um ou dois jogadores que podiam jogar a outro nível, podiam estar num excelente nível em Portugal, num campeonato sub-17. Parece-me que as exibições foram melhores do que os resultados, a equipa apresentou organização tática, mostrou trabalho de equipa a nível de ataque, mostrou aspetos que conseguiu pôr em prática, mas não finalizou as oportunidades que criou. Defensivamente, cometeu alguns erros. Esperávamos um resultado, a nível de classificação, ligeiramente melhor. Batemo-nos bem com a Suíça, boa exibição contra a Alemanha mas cometemos erros que deram um empate. 70 por cento do grupo, para o ano, pode disputar este campeonato sub-17 e se calhar já vai aparecer com outra maturidade. O processo defensivo é uma coisa que temos de trabalhar bastante, eles estão numa idade que é importante para levarem essas bases. Tive oportunidade de estar num torneio na Suíça, no mês passado, e seleções como Suíça e Alemanha trabalham de forma muito forte nos sub-17 e penso que vamos ter outras seleções a aparecer, não só Itália ou Portugal.

- No início de 2023/24, além de selecionador inglês, também foi treinador do Clube Hóquei dos Carvalhos. As coisas não correram bem e saiu numa fase precoce. O que não funcionou?

- Acho que é fácil. O Carvalhos subiu quase fora de prazo, num play-off, com os mercados fechados, muitos jogadores já comprometidos com outras equipas, de Primeira e Segunda divisão, até porque não se esperava que o Carvalhos pudesse subir. Subiu, mas era tudo muito tarde e não conseguimos reunir um plantel forte. Trabalhamos sempre com um plantel jovem para subir num prazo de dois ou três anos. Subindo de forma mais rápida foi muito difícil. As verbas que existiam para contratar jogadores eram pequenas, ficava tudo mais caro, os reforços eram para chegar no início da época e não chegaram, depois, quando a época estava a decorrer, começou a ser difícil. Fechando as inscrições sem os reforços que esperávamos era muito difícil. Começou a ficar um ambiente que não me pareceu favorável e, nestas situações, o treinador é sempre a pessoa mais fácil de substituir porque não se pode substituir sete ou oito jogadores. O projeto não estava a ser posto em prática, não fazia sentido continuar. Excelentes pessoas, excelente clube, com adeptos fervorosos como gosto. Foi pena o timing, mas foi uma experiência enriquecedora.

- Pela 25.ª vez, o FC Porto foi campeão nacional. Qual a sua opinião sobre a última temporada em Portugal?

- O FC Porto fez um campeonato em crescendo, começou de uma forma mais lenta, parecia que havia falta de entrosamento, mas foi crescendo e ganhou o título. Gostei muito de alguns jogos do play-off, não gostei tanto de outros porque houve jogos que começaram a ficar duros e violentos, muito contacto físico e não tanto à base da técnica. Nós temos, em Portugal, um lote de jogadores, quer portugueses, quer estrangeiros, de enorme qualidade. Quando o hóquei é bem jogado, de uma forma mais limpa e sem tantas faltas, fica a ganhar. Houve duelos que adorei, que foram muito bons para divulgar a nossa modalidade, mas houve outros com muito contacto físico e nem pareciam jogos de hóquei, tal era a diferença de interpretação das regras de uns jogos para os outros. Foi um campeonato com grandes jogos, muitos decididos no prolongamento e grandes penalidades, e isso mostra o equilíbrio, com muitos jogadores portugueses a serem decisivos nesses momentos. Temos muitos jogadores estrangeiros, o melhor campeonato do mundo, mas às vezes damos preferência a um estrangeiro porque tem mais disponibilidade de tempo e não por ter mais qualidade técnica individual do que o jogador português. Às vezes optamos por ter um jogador estrangeiro e temos equipas de Segunda Divisão bem apetrechadas. Foi um bom campeonato. Não sendo um adepto fervoroso do play-off, parece-me que foi muito bom.

- Já vão sendo conhecidos os plantéis para a próxima época. O FC Porto mantém o projeto, o Benfica continua a investir bastante, Edo Bosch é o novo treinador do Sporting, a Oliveirense procura garantir estabilidade e o Barcelos parece estar a desinvestir um pouco. Como perspetiva a nova temporada portuguesa?

- Destaco o Sporting, que se calhar vai ter mais mexidas, recebe um jovem que vem do FC Porto, aposta no Edo Bosch, mas também tem toda a equipa técnica nova. O FC Porto vai manter uma equipa mais sólida, com um jovem jogador que vem para ajudar, não será ele a fazer a diferença. Uma Oliveirense com treinador novo, mas mantém a estrutura. O Tomar será uma equipa que pode fazer alguma surpresa. Depois temos equipas como Valongo e as equipas que subiram, como Sanjoanense e Candelária, que são equipas que estão habituadas a bom ritmo competitivo, podem apurar-se para o play-off e fazer campeonatos tranquilos.

- A Primeira Divisão vai voltar a contar com a presença da "sua" AD Sanjoanense, que foi campeã da Segunda Divisão. O que perspectiva para a formação de São João da Madeira, que já representou como jogador, treinador e agora como patrocinador?

- A Sanjoanense fez um bom campeonato, fez uma equipa fortíssima, se estivesse na Primeira Divisão tinha feito um campeonato tranquilo. O plantel que o Reinaldo construiu era forte para a Segunda Divisão e isso veio a confirmar-se. De uma forma lógica, acabou por conquistar a subida. Mantendo essa base, terá tudo para fazer um campeonato tranquilo e, quem sabe, conseguir ir ao play-off. Há equipas como Riba D'Ave e Braga que já têm tarimba de Primeira Divisão e espero que a Sanjoanense, por quem tenho um carinho especial, possa fazer um campeonato tranquilo, até para eu assistir a alguns jogos de forma mais assídua e ver jogos de Primeira Divisão num ambiente que é sempre espetacular.