Zinchenko detalha o "assustador" impacto na saúde mental das crianças ucranianas
"Apercebeste das feridas mentais que elas vão carregar para o resto das suas vidas", disse à AFP.
O internacional ucraniano, de 26 anos, regressou a casa em maio pela primeira vez desde a invasão russa em fevereiro de 2022 - "até o ar cheirava diferente", disse - e visitou a aldeia e o Liceu Mykhailo-Kotsiubynsky, em Chernihiv Oblast, no norte da Ucrânia.
A escola foi gravemente danificada num ataque de rockets no dia 04 de março do ano passado, que matou uma empregada de limpeza de 62 anos. O número de mortos poderia ter sido muito pior, uma vez que havia cerca de 100 civis a viver na cave, o mais novo um bebé de dois meses.
"Fiquei muito perturbado, foi muito difícil para mim compreender moralmente. Quando vi o nível de destruição, compreendi a quantidade de trabalho que seria necessário para a renovar e recomeçar o ensino", disse à AFP o diretor da escola, Mykola Shpak. O custo estimado das obras de reconstrução é de 1,5 milhões de euros.
Zinchenko e a lenda do futebol ucraniano Andriy Shevchenko, que o acompanhou na visita, jogaram com alguns dos 412 alunos e ouviram algumas das suas experiências quando os russos ocuparam a aldeia de 28 de fevereiro a 31 de março do ano passado.
Na sequência da visita, a dupla decidiu, em conjunto com a instituição de solidariedade United24, organizar um jogo entre várias estrelas, Game4Ukraine, em Stamford Bridge, casa de um dos antigos clubes de Shevchenko, o Chelsea, em 05 de agosto, para angariar fundos para a escola.
A instituição de caridade foi lançada pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, com o objetivo de recolher donativos para cobrir as necessidades mais prementes da Ucrânia, entre as quais a reconstrução do país, devastado desde o início da invasão de Vladimir Putin.
"Cerca de 800 escolas foram danificadas pelos russos, mais de 200 das quais não podemos reconstruir. Esta escola era importante porque 10 aldeias utilizam-na", disse Zinchenko à AFP no início deste mês.
No entanto, não foi apenas isso que marcou Zinchenko, mas o facto de ouvir as crianças e os seus relatos sobre a vida sob a ocupação russa.
"Algumas crianças falaram-nos do exército russo nas suas casas, olhamos para os seus olhos e apercebemo-nos dos danos mentais que irão sofrer para o resto das suas vidas. É uma coisa assustadora", contou.
"Nunca compreenderei"
Nem Zinchenko nem Shevchenko têm uma ligação pessoal com a escola - "mudei de escola três vezes", explica Zinchenko com um sorriso irónico - o que torna tudo ainda mais comovente para Shpak, o diretor.
"Sinto o que uma pessoa pode sentir quando recebe esperança. E é claro que esta esperança é ótima quando é iniciada por pessoas como aqueles dois. Fiquei ainda mais esperançado quando eles jogaram futebol com os nossos rapazes e raparigas no campo que foi destruído pelos mísseis", disse.
Shpak fala com a emoção de alguém que tem laços profundos com a escola - os seus pais foram professores ali e, depois de estudar, regressou para leccionar geografia em 1993 e tornou-se diretor em 2015. Embora fosse para casa à noite, assegurava-se de que as cerca de 100 pessoas alojadas na cave eram alimentadas - as visitas dos russos eram, para ele, misericordiosamente poucas.
"Só entraram na escola depois do bombardeamento do nosso distrito, não sei dizer porque é que vieram à escola. Acho que queriam ver os resultados do que tinham feito. Tínhamos preparado comida para as crianças, cerca de 30 pedaços de pão. Mas depois da visita deles não os encontrámos porque eles os tinham levado", revelou.
Shpak - que tem dois filhos adultos - sente uma enorme perda em relação aos antigos alunos que morreram na guerra.
"Há muitas crianças que se formaram nesta escola e que nunca mais voltarei a ver e isso é terrível", afirmou.
Zinchenko não perdeu nenhum amigo próximo, mas diz que "nunca compreenderá" a invasão.
"Quando se nasceu e cresceu numa terra onde se conhece cada pedra e cada árvore e um dia alguém vem de outro lugar e pode fazer o que quer, pode matar mulheres, homens e crianças e destruir tudo à sua volta, na década de 2020, é absolutamente incrível", atirou.
Zinchenko - cuja mulher Vlada está à espera do segundo filho - está satisfeito por não ter pegado em armas, mas por estar a fazer a sua parte pelo seu país numa área que conhece melhor.
"Espero que se os meus filhos me perguntarem: 'Papá, o que fizeste durante esse tempo, como ajudaste?', eu possa olhar para eles nos olhos e responder que fiz o meu melhor", finalizou.